Título: CMN em ritmo de Casseta & Planeta
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2007, Economia, p. B3

Estatizaram o Casseta & Planeta? Ainda não, mas talvez a ala chavista do PT possa levantar essa bandeira um dia desses. Aquela cena hilariante era mesmo a entrevista coletiva dos membros do Conselho Monetário Nacional (CMN), empenhados em explicar a meta de inflação escolhida para 2009. Acuados num córner pelo presidente da República, os três conselheiros tiveram de manter no centro do alvo os 4,5% já escolhidos para este ano e para 2008, mas a decisão não é para valer. Ou melhor, é e não é. A meta é só uma, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mas 'o BC deve ter como objetivo perseguir a menor inflação possível'. Se a menor possível não for aquela escolhida oficialmente, qual terá sido o critério da escolha? Segundo o ministro, o CMN preferiu manter os 4,5% para dar ao Banco Central (BC) maior liberdade de ação, no caso de um choque de preços. Mas o BC já tem essa liberdade, pois o alvo, desde a adoção do regime, em 1999, sempre foi fixado com uma grande margem de tolerância. Mais de uma vez o Comitê de Política Monetária (Copom) usou essa margem para acomodar pressões excepcionais e não sacrificar inutilmente a atividade econômica. Não seria essa, portanto, a explicação, mas não seria justo atrapalhar o espetáculo por causa desse detalhe. Inspirado, o ministro foi além: 'Não há uma orientação', segundo ele, para fazer a inflação 'convergir para 4,5%'. O ministro da Fazenda foi sem dúvida a estrela do programa. Os outros conselheiros, Paulo Bernardo, ministro do Planejamento, e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, foram coadjuvantes aplicados. Tentaram dar um tom de seriedade às explicações, disseram palavras com alguma sensatez e com isso realçaram as qualidades humorísticas da fala principal. Ambos lembraram as projeções do setor privado, cerca de 3,5% para este ano e 4% para o próximo. Se as expectativas são essas, lembrou Paulo Bernardo, para que trabalhar por uma inflação maior? Não há como juntar os cacos de uma decisão incoerente e contrária a toda experiência bem-sucedida no Brasil e no exterior. Uma das funções da política de meta de inflação é administrar as expectativas. Se as pessoas apostam numa inflação declinante - e com juros em queda -, boa parte do trabalho já está feita. Escolher um objetivo menos ambicioso é jogar fora um ativo precioso em troca de nada. Resta torcer, agora, para o setor privado não levar a sério aqueles 4,5%. A inflação poderá continuar a cair, sem risco para a atividade econômica, se não houver um choque de preços. Se houver, sempre se poderá acomodar a política na margem de tolerância. O script do programa foi determinado, em grande parte, pela imprudência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao defender a meta de 4,5%, numa entrevista ao jornal Valor, ele praticamente impôs uma decisão ao CMN. Vale a pena refletir sobre mais essa lição: não basta garantir a autonomia operacional do BC, responsável pela execução da política monetária, se a meta for fixada pelo governo de forma imprudente ou amadora. O episódio, além disso, confirma um fato já bem conhecido: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acerta, em geral, quando se afasta das posições tradicionais do PT, mas sofre recaídas freqüentes e perigosas. Ele acertou, até agora, ao atribuir ao BC uma autonomia de fato. Isso permitiu baixar a inflação a níveis quase civilizados. Sua reeleição se deve, em grande parte, ao êxito de uma política rejeitada por muitos economistas do partido, incluídos o atual ministro da Fazenda e o senador Aloizio Mercadante. Inflação em queda foi um importante fator de valorização real dos salários. Se o presidente houvesse forçado a escolha de uma política mais frouxa, a contenção de preços teria sido muito mais lenta e a atividade, quase certamente, não seria muito mais alta. Não é fácil aquecer a economia e criar empregos quando os impostos sobre o setor produtivo são tão pesados e o gasto corrente do governo não pára de crescer. Nessa matéria - gasto público improdutivo e impostos para sustentá-lo - o governo tem sido absolutamente fiel às piores tradições brasileiras. Quanto a essas tradições, marcadas pelo clientelismo e pelo corporativismo, não há diferença importante entre o PT e os velhos partidos. A inovação mais visível, até agora, tem sido a desenvoltura no loteamento de cargos e no aparelhamento partidário da administração federal. Sobre isso o Copom não tem poder.