Título: Bush perde aval para fechar acordos
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2007, Economia, p. B14

Termina hoje o prazo para o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, negociar a Rodada Doha sob a proteção da Trade Promotion Autority (TPA), o mecanismo que dá autonomia à Casa Branca para fechar acordos comerciais sem que eles sejam depois alterados por emendas parlamentares.

Caso a permissão não seja renovada pelo Congresso, como é esperado pelos analistas, as negociações da Rodada Doha - a mais abrangente tentativa de liberalização do comércio mundial, lançada há seis anos - deverão permanecer em 'banho-maria' por mais um ano e meio, até a posse do próximo presidente dos EUA, em 2009.

'Sem a TPA ninguém se arriscará a fechar qualquer acordo comercial com os Estados Unidos, porque o Congresso poderá mudar o acordo', diz o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Barbosa foi embaixador do Brasil nos EUA e na Grã-Bretanha.

Para ele, a TPA, dispositivo também conhecido como fast track, é um assunto essencialmente político, e não técnico. 'Por que razão os democratas, que hoje são maioria no Congresso, dariam ao presidente Bush, em fim de mandato, o que os republicanos negaram a Bill Clinton por oito anos?', questiona o embaixador.

Segundo ele, o próprio presidente Bush não solicitou ao Congresso a autorização, porque sabia que seria negada. 'Ele (Bush) estava esperando um avanço significativo na negociação de Doha, para oferecer em contrapartida ao TPA.'

A última tentativa foi a fracassada reunião do G-4 (Brasil, Estados Unidos, Índia e União Européia), há cerca de duas semanas, em Postdam, na Alemanha. Nessa negociação, enquanto os países em desenvolvimento defendem a abertura do mercado e o fim do protecionismo e dos subsídios à agricultura, os desenvolvidos reivindicam a abertura do mercado de produtos industriais desses países.

'O que estamos vendo é a crônica de uma morte anunciada', diz Mario Marconini, presidente executivo do Conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.

Nesse cenário, o Brasil fica 'num mato sem cachorro', nas palavras de Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp. 'O governo apostou todas as fichas na Rodada Doha, deixando de lado as negociações regionais e bilaterais, o que nos colocou numa situação desvantajosa em relação aos nossos concorrentes.'

O México, segundo ele, fechou 44 acordos de livre comércio enquanto negociava Doha. O Chile fechou mais de 20 acordos. Já o Brasil tem apenas o Mercosul, 'que está caindo aos pedaços', ressalta.

Para ele, a experiência mostrou que negociação comercial em bloco torna-se quase impossível, porque a proposta que prevalece é a do 'mínimo denominador comum'. Ou seja, 'a pior proposta é a que viabiliza os outros'. Tanto que a Fiesp vai retomar, com empenho, a defesa da flexibilização do Mercosul. 'Queremos que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai possam negociar individualmente acordos comerciais.'

O QUE SIGNIFICA

O que é a TPA: a Trade Promotion Authority, antes conhecida como fast track, é uma lei que autoriza o presidente dos EUA a negociar acordos de livre comércio sem a possibilidade de emendas pelo Congresso. Enquanto estiver em vigor, um acordo assinado pelo presidente só poderá ser aprovado ou rejeitado integralmente pelos congressistas

Qual é o prazo: essa autorização é concedida por um período de tempo determinado, podendo ser renovada. O prazo para renovação do atual mandato, aprovado em 2002, termina hoje

Por que a renovação é vital para a Rodada Doha: sem a TPA seria muito arriscado assinar qualquer acordo comercial com os EUA, pois ela é a garantia de que, uma vez assinados, os acordos não poderão ser modificados pelo Congresso americano

O que pode ocorrer: sem a cobertura da TPA pode ocorrer que um congressista vete uma vantagem para os países que negociaram com os EUA, mas mantenha as vantagens que esses países concederam como contrapartida aos EUA

Como fica o futuro das negociações da Rodada de Doha sem a TPA: se já estava difícil chegar a um acordo, com esse problema operacional a tendência é de que as negociações se arrastem por mais um ano e meio e ganhem força só depois da posse do próximo presidente dos EUA