Título: Iranianos recebem Chávez com frieza
Autor: Carranca, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2007, Internacional, p. A11

Apesar da retórica anti-EUA compartilhada por Teerã, venezuelano é pouco conhecido pelo povo do país dos aiatolás

Chavez quem? Em sua terceira visita oficial ao Irã, iniciada ontem, o presidente da Venezuela Hugo Chávez, propôs ao líder iraniano e seu aliado, Mahmud Ahmadinejad, um pacto antiimperialista. Disse que os dois países, ricos em petróleo, que compartilham a oposição aos EUA, devem cooperar para o fim do domínio americano. Mas a agenda anti-Washington de Chávez não encontra grande eco entre os iranianos.

A TV iraniana anunciou que Irã e Venezuela firmarão cerca de 20 acordos comerciais durante a visita, principalmente no setor de energia. Também informou sobre a viagem dos presidentes, hoje, à Asaluyeh - região rica em petróleo no sul do Irã -, para inaugurar a construção conjunta de uma fábrica petroquímica. Mas o noticiário sobre a visita não foi muito além disso.

Os detalhes dos acordos foram apresentados numa entrevista coletiva, pouco antes da chegada de Chávez, pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, Mohammad Ali Hosseini. Mas, durante quase uma hora - excetuando a reportagem do Estado -, apenas um dos cerca de 50 jornalistas presentes dirigiram ao porta-voz uma pergunta relacionada à visita de Chávez. Falou-se de tudo: guerra no Iraque, conflito palestino, programa nuclear, sanções econômicas. ¿De fato, não foi o assunto mais importante do dia¿, disse o correspondente da TV Al-Jazira, Ali Reza Ronaghi, referindo-se à presença de Chávez no Irã.

Nas ruas de Teerã, a vida seguia sem sinal de que uma delegação oficial estrangeira estivesse em visita ao país. ¿Chávez? Que Chávez?¿, perguntou o funcionário de segurança nas proximidades da sede do governo iraniano ao ser questionado sobre o local onde Ahmadinejad receberia o presidente venezuelano. Só na terceira tentativa, foi possível encontrar alguém que pudesse dar alguma informação.

Entre pelo menos duas dezenas de pessoas abordadas, a mesma interrogação. ¿Chávez? Ele é presidente do seu país?¿, perguntou uma estudante. Com uma comunidade que não chega a três dezenas de imigrantes, poucos moradores de Teerã conhecem o presidente venezuelano - que se esforça para apresentar-se como líder das forças antiimperialistas e das nações integrantes do chamado ¿eixo Sul-Sul¿.

SEMELHANTES

¿Chávez só é conhecido aqui entre os intelectuais¿, disse ao Estado o cineasta iraniano Mohammad Reza Akbari, que está fazendo um documentário sobre o líder venezuelano. ¿Todo mundo me faz a mesma pergunta: por que Chávez? A resposta é que ele e Ahmadinejad tem um jeito semelhante de fazer política e, de alguma forma, conseguiram ganhar projeção internacional com seu discurso antiimperialista.¿

Esse discurso dominou as conversas informais entre os dois líderes sede do governo iraniano. Enquanto posavam para fotos e câmeras de TV, Chávez dirigiu os tradicionais insultos ao presidente americano, George W. Bush, em tom parecido com o de seu discurso do ano passado na ONU, quando chamou o líder dos EUA de ¿diabo¿.

¿Bush disse sobre Fidel Castro (na semana passada), que vá com Deus, pois que Deus leve logo a Bush, para onde estão todos os criminosos¿, disse Chávez. Também transmitiu supostas saudações do presidente cubano ao líder iraniano. ¿Estive recentemente com Fidel e sua saúde está melhorando. Ele pediu que eu lhe enviasse suas saudações.¿

E seguiu com seu discurso anti-Bush: ¿Você sabe, os Estados Unidos também têm medo de Fidel. Nesse momento, Bush está como um animal acuado e pode fazer qualquer loucura.¿ Ahmadinejad retrucou: ¿Pois que Deus não lhe dê tempo para fazer nenhuma loucura.¿

O microfone estava aberto e causou um certo espanto entre ospoucos jornalistas que esperavam do lado de fora do salão onde ocorria o encontro. Como eram, quase todos, da comitiva venezuelana, as palavras de Chávez passaram despercebidas, sem provocar grande impacto.

¿Juntos, podemos resistir melhor¿, disse Chávez a Ahmadinejad. ¿Uma aliança entre países independentes como o Irã e a Venezuela pode ser efetiva para acabar com as políticas do imperialismo.¿

Muito à vontade ao lado do aliado anti-EUA, Chávez também falou com Ahmadinejad e seus ministros sobre futebol. ¿Na Copa América, a Venezuela empatou por 2 x 2 com a Bolívia¿, lamentou, recebendo de Ahmadinejad um sorriso amarelo, de quem estava pouco interessado em falar de futebol.

Pode haver algo mais do que a agenda antiimperialista por trás do interesse de Chávez em fortalecer a aliança com o Irã. Na opinião do editor do diário iraniano Etemad-e-Melli, Mehran Ghassemi, especialista em relações internacionais, Chávez pode usar os laços com Ahmadinejad como moeda de troca com os EUA, caso os americanos lancem uma ofensiva para que outros países cortem relações comerciais com o Irã.

¿A Venezuela é um importante parceiro comercial do Irã na área de energia e pode ajudar a estreitar relações com outros países da América Latina. Mas o que Ahmadinejad tem de se perguntar agora, é até quando Chávez continuará como aliado do Irã ou se vai usar as relações com o Irã para obter vantagens dos EUA.¿

Ele lembra que, apesar do discurso antiimperialista, a Venezuela nunca cortou relações comerciais com os EUA. ¿Chávez e Ahmadinejad se visitam, tiram fotos juntos, fazem discursos inflamados contra Bush, propõem alianças contra o `império¿. Mas, ao contrário do Irã, a Venezuela nunca abandonou seus laços econômicos e políticos com os EUA.¿