Título: A tese do PIB potencial faliu
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2007, Economia, p. B2

A tese de que o Brasil não podia crescer mais do que 3,5% ao ano, que foi defendida por numerosos economistas, inclusive por alguns que estão hoje no Banco Central (BC) e por ex-presidentes da instituição, não resistiu ao menor teste empírico. Bastou a taxa de juro cair e a conjuntura internacional melhorar para que a tese desmoronasse. O Brasil vai crescer 4,7% este ano, com inflação de país desenvolvido, segundo o próprio BC.

O mais surpreendente é que as previsões do BC, que na qualidade de autoridade monetária deveria ser mais conservador, estão mais otimistas do que aquelas feitas pelas instituições financeiras e por seus consultores. Em seu relatório de inflação, divulgado na semana passada, o BC projeta crescimento da economia de 4,7% e inflação medida pelo IPCA de apenas 3,5% para 2007. O último boletim Focus, publicado pelo BC, e que reflete as projeções do mercado, prevê crescimento de apenas 4,3% e inflação de 3,6%.

Em conversa com este colunista, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ironizou: 'O Focus está sempre atrasado. Ele vem e se atualiza. Todo mundo já sabe isso'. O novo boletim Focus será publicado hoje, provavelmente com novas projeções, mais próximas daquelas anunciadas pela autoridade monetária. É estranho que seja dessa forma, com o BC correndo na frente, o que coloca em xeque a credibilidade das projeções do relatório de mercado. A autoridade monetária está mais otimista que os agentes econômicos.

Mantega disse que sempre foi adversário da tese do produto potencial, de que a economia brasileira não podia crescer mais do que 3,5%. 'Está provado que podemos crescer 4,7%, com inflação de 3,7%', afirmou. 'O crescimento deste ano vai derrubar a tese do PIB potencial e confirmar a tese de que podemos crescer mais, com inflação menor, o que é o desejável'.

É interessante observar que, pela primeira vez, o BC está mais otimista que o próprio Mantega. Para o ministro, o crescimento deste ano ficará entre 4,5% e 5% e a inflação em 3,7%. Mantega reivindica que seus críticos reconheçam que sua previsão para a expansão econômica em 2006 foi a que mais se aproximou da realidade. Ele previa crescimento de 4% e o IBGE divulgou um crescimento de 3,7%, com a sua nova metodologia.

A previsão de Mantega é de crescimento de 5% em 2008. O último boletim Focus projeta 4,1%. O ministro considera que o ritmo atual de crescimento dos investimentos vai permitir uma expansão em torno de 5% no próximo ano e no seguinte. 'Não há nenhuma razão para que isso não aconteça. Nós entramos no ciclo de crescimento sustentado. O comércio varejista está crescendo 9%. É uma beleza'.

O argumento principal da tese de que o PIB potencial brasileiro não permitiria um crescimento superior a 3,5% é o de que a taxa de investimento é muito baixa. Assim, uma expansão econômica superior a 3,5% provocaria uma inflação de demanda, o que forçaria o Banco Central a colocar o pé no freio e elevar os juros. O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto acredita que essa tese esteve por trás da política monetária do BC dos últimos anos e que ela impediu uma redução mais rápida da taxa de juro.

Tudo leva a crer que a forte expansão da economia brasileira deste ano decorre, principalmente, do crescimento da massa salarial, do salário real e do crédito - portanto, do consumo de massa. Parece razoável supor que, com a inflação sob controle, a expansão da demanda incentivará rapidamente o aumento dos investimentos produtivos, o que poderá sustentar um ciclo de crescimento econômico.

Não é bem assim

Na mesma conversa, Mantega rebateu a crítica de que a política fiscal é o único elemento que destoa dos indicadores extremamente favoráveis da economia brasileira. 'A velocidade do gasto público diminuiu este ano', disse o ministro. Segundo ele, a despesa pública primária (não inclui o pagamento dos juros da dívida do governo) cresceu 15,1% em 2006, na comparação com 2005. De janeiro a maio deste ano, informou Mantega, ela cresceu 12,5% em relação ao mesmo período do ano passado.

A coisa não é bem assim. A crítica que se faz ao governo é a de que o gasto público está crescendo em ritmo mais rápido do que a expansão da economia. Se a despesa aumentar 12% este ano, em termos nominais, o ritmo ainda será muito superior ao do crescimento econômico, previsto em 8,6% (expansão real de 4,7% mais inflação de 3,7%).

Se o ritmo de crescimento das despesas este ano é menor do que em 2006, ótimo. Mas não é suficiente. Principalmente porque é o gasto corrente que está aumentando mais rapidamente, enquanto que o investimento público, embora tenha subido em relação a 2006, ainda é muito modesto.

O governo não consegue cumprir as metas estabelecidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para os investimentos em infra-estrutura. Em parte, como admitiu Mantega, porque faltam bons projetos e, em parte, por causa da demora na liberação de licenças ambientais pelo Ibama, no caso dos investimentos no setor elétrico.

A expansão desenfreada do gasto público impede também que o governo reduza a carga tributária. Mantega informou que, de janeiro a maio deste ano, a arrecadação do Tesouro Nacional aumentou 13,5%, em relação a igual período do ano passado. De janeiro a maio de 2006, em relação a igual período de 2005, o crescimento da receita tinha sido de 11,4%. Os números só reforçam a tese de que o governo deveria ser mais ousado na desoneração tributária.