Título: As bravatas e a nova parceria
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/07/2007, Notas & Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa hoje, em Lisboa, do primeiro ato oficial da parceria estratégica oferecida pela União Européia (UE) ao Brasil. O País assume, a partir de agora, um status diferenciado como interlocutor do bloco europeu, condição já atribuída à Rússia, Índia e China, as três outras grandes economias do grupo Bric. Parceiros estratégicos da União Européia são também Estados Unidos e Canadá - dois dos sete países mais ricos - e a África do Sul. O objetivo da parceria, segundo as autoridades européias, é a cooperação em assuntos tão variados como direitos humanos, ambiente, pobreza, energia, pesquisa científica e funcionamento da ONU. A cooperação econômica pode ser facilitada por essa interlocução, e o reinício das negociações entre Mercosul e União Européia estará presente, sem dúvida, na agenda bilateral. Mas não é o objetivo imediato da relação especial proposta ao Brasil.

O convite foi dirigido a Brasília não por causa do vínculo do País com o Mercosul, mas por seu peso na América do Sul e por seu potencial como ator internacional. O governo brasileiro, apesar das bravatas presidenciais, tem sido incapaz de agir em defesa de interesses próprios nem sempre coincidentes com os de outras economias em desenvolvimento.

Ao comentar o recente fiasco de Potsdam, quando o G-4, formado por Brasil, Índia, EUA e UE, quase enterrou a Rodada Doha de negociações comerciais, o chanceler brasileiro Celso Amorim reafirmou a fidelidade ao G-20, o grupo dos emergentes: não aceitaria um acordo, se fosse uma traição aos demais países do bloco. Mas a coincidência de interesses, nesse episódio, mais uma vez se revelou fantasiosa. Depois de alguma hesitação, a chancelaria argentina propôs em carta aos demais membros do G-20 uma declaração de apoio à atuação brasileira em Potsdam. Não houve apoio à proposta e o governo argentino retirou a sugestão. Mas não houve somente reticência dos demais parceiros. Oito deles, incluído o Chile, propuseram publicamente, numa tentativa de reativar as negociações, um corte de tarifas industriais superior àquele apontado como aceitável pelo ministro brasileiro.

Ontem mesmo, antes de se juntar ao presidente Lula para a reunião com os delegados europeus em Lisboa, o chanceler Amorim ainda tentou sem êxito, em Genebra, mobilizar o combalido G-20 para o novo esforço de recuperação da Rodada Doha. Mas o desacordo entre os emergentes não se manifesta apenas em relação aos objetivos de Doha. Quando se discutiu, há poucos dias, a hipótese de uma grande negociação Sul-Sul, não houve acordo, no G-20, sobre as concessões comerciais entre as economias em desenvolvimento.

Uma fragmentação semelhante foi observada, na última semana, durante a cúpula do Mercosul. O governo brasileiro compareceu, como de costume, disposto a fazer as maiores concessões aos parceiros do bloco, mas não encontrou nenhuma reciprocidade quando propôs a defesa de alguns setores industriais contra a competição chinesa.

Na prática, a diplomacia brasileira, guiada pela fantasia de uma grande agenda partilhada pelas economias pobres e emergentes, tem colhido resultados muito pobres. Nem mesmo a sua persistente exibição de boa vontade tem sido reconhecida pelos parceiros. Mas a colheita de resultados - principalmente para o País - parece ter pouca importância na contabilidade política do presidente Lula. Em sua imaginação quixotesca, o Brasil apenas demonstrou, em Potsdam, a ¿coragem de não ceder aos interesses das economias desenvolvidas¿. ¿Fizemos questão de dizer que havia acabado o período da subserviência. E o mundo precisa aprender que o Brasil resolveu assumir sua grandeza.¿

Discursos como esse podem fazer sucesso diante de platéias politicamente engajadas e amadoras em questões comerciais. Faziam sucesso, com certeza, em Vila Euclides. Mas o mundo não é um bairro de uma cidade do ABC e uma negociação comercial não se trava meramente em termos de altivez ou subserviência. A tal subserviência do passado, aliás, só existe no palavrório do presidente Lula e na cabeça de alguns ingênuos. A negociação de interesses concretos é algo muito mais complicado.Os tropeços da diplomacia brasileira em suas tentativas de liderança internacional são uma prova disso. O governo brasileiro precisará de muito mais realismo para aproveitar as oportunidades criadas pela parceria com a UE.