Título: O real no 13º aniversário
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2007, Espaço Aberto, p. A2

A julgar pelo noticiário, passou quase despercebido o 13º aniversário do Plano Real, que trouxe o padrão monetário em vigor desde 1º/7/1994. O primeiro padrão que vi foi o cruzeiro, que sucedeu ao mil-réis. Depois veio um desfile de moedas a disputar o título de pior: cruzeiro novo, cruzeiro novamente, cruzado, cruzado novo, cruzeiro (outra vez!) e cruzeiro real. Tantas cruzes lembram um cemitério de moedas, todas sucumbidas por overdoses de inflação. Um amigo mediu a droga tomada entre 1980 e 1995 e encontrou 20 trilhões por cento de inflação.

Governos não costumam comemorar vitórias da oposição quando ela era governo. Entretanto, nem a própria oposição mostrou maior interesse pela data. Ora, uma oposição que não comemorou intensamente o aniversário dessa sua obra, nem aproveitou bem a ocasião para tirar lições e propor novos caminhos, demonstra estar tão sem rumos como o próprio governo. Sintomática disso foi declaração recente do ex-presidente FHC. Disse ele à revista The Economist, ora em circulação: ¿Temos uma boa chance de ser novamente um partido governante, mas para fazer o quê?¿ Ele propõe que o PSDB precisa ter menos medo de defender modernização, reformas e mais privatizações.

De acordo, mas também será preciso dar cores populares a essas bandeiras, bem como encontrar outras que despertem maior interesse dos eleitores mais preocupados com suas carências pessoais. E, ainda, encontrar um candidato que se comunique ou passe a se comunicar bem com eles.

¿Quem não se comunica se trumbica¿, dizia Chacrinha, um especialista nessa arte. Ainda na terça-feira, em Fortaleza, o presidente Lula, nosso Chacrinha da política, anunciou que seu governo vai aumentar em 18,25% o valor do Bolsa-Família, como que a jogar bacalhaus para a platéia. Nessa bolsa o governo juntou vários programas que, como o real, também vieram do governo FHC, e segue ampliando a bandeirona assim confeccionada.

A situação lembra outra frase, de Cromwell: ¿A necessidade não tem lei.¿ Com suas carências, a população é grata, mesmo com todos os escândalos do governo. Assim, o presidente mantém grande popularidade e a chance de que falou FHC vem do fato de que em 2010 Lula não será candidato. Mas, se o PSDB e seus coligados chegarem ao governo, terão muito a fazer, em particular para não devolver a faixa em 2014.

Voltando ao real, hoje ele é moeda cujas funções vitais sobreviveram ao parto e superaram os riscos de doenças típicas da infância, levando-a à fase de adolescência. Essas funções são as de servir como meio de troca, padrão de pagamentos futuros e reserva de valor.

Tais funções continuarão a enfrentar riscos, cujo diagnóstico sempre se assenta na taxa de inflação. O mais sério vem da gestão das finanças públicas, a qual o Plano Real equacionou de outra forma, mas sem uma solução eficaz e duradoura.

Assim, num dos traços com que esse plano pode ser identificado, percebe-se que o governo deixou de se financiar também pelo meio claramente inflacionário, da forte emissão de moeda, e passou a fazê-lo por mais impostos e pela expansão da dívida pública. Com seu insaciável apetite por recursos, contudo, logo em seguida e por muito tempo a expandiu descontroladamente, inclusive como resultado de seu (des)propósito de manter o real valendo perto de US$ 1, fazendo-o com juros elevados para atrair capital externo e emitindo mais papéis com correção cambial com a mesma finalidade. E, ainda, para aplacar a inquietação dos investidores internos.

Como o custo da dívida aumentou, o mesmo acontecendo com os demais gastos, em particular os de custeio e as chamadas transferências previdenciárias, o governo passou a ampliar fortemente sua carga tributária. Ou seja, controlada a inflação de preços, vieram inflações de gastos, de dívida pública e de impostos, que, pelos juros elevados e pela carga tributária a que levaram, inibiram os investimentos privados e compõem o já duradouro quadro de fraco crescimento da economia.

Noutro aspecto, percebe-se que a inflação pós-real, ainda que muitíssimo menor que a das muitas moedas anteriores, permanece fortemente relacionada com a taxa de câmbio em reais por dólar.

Assim, com a folga hoje dada pela boa situação das contas externas, inclusive forte acúmulo de reservas, há uma mal sustentada tranqüilidade quanto ao futuro do real, pois nada garante que essa situação vá durar para sempre e que com suas reservas o Brasil estará blindado contra crises externas. Assim como foi rápida a acumulação dessas reservas, também o será sua erosão na presença de uma fuga mais forte do real. Isso também levaria investidores a novamente exigirem do governo papéis com correção cambial, tudo num processo em que a inflação se agravaria, os juros subiriam e a dívida pública reverteria sua trajetória de queda como proporção do PIB. Recorde-se que mesmo com prazos ampliados a dívida pública ainda gira em prazos muito curtos e que o governo continua a garantir liquidez aos investidores, independentemente desses prazos.

Portanto, o real forte de hoje e o que significa de inflação baixa se assentam num quadro de fragilidades dado por uma política fiscal (de gastos, impostos e dívida pública) inadequada - que também compromete o crescimento econômico - e uma inflação fortemente ancorada na taxa cambial.

Nesse quadro, a mesma revista mostra Lula relaxando num barco de lazer, numa situação que o texto descreve como de astúcia política, mas de mediocridade nas ações econômicas.

É uma lástima que nesse aniversário nem o governo nem a oposição tenham refletido sobre como garantir o futuro do real nas suas funções vitais e convencer os eleitores da necessidade disso.