Título: Um inimigo fácil de matar, mas difícil de encontrar
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2007, Internacional, p. A16

Percebi que algo estava errado quando não consegui encontrar um táxi. Então vieram as sirenes e os helicópteros zumbindo lá em cima. Abordei um transeunte para perguntar o que estava acontecendo. Ele disse algo sobre um carro-bomba diante de uma discoteca a seis quarteirões de meu hotel. Algumas horas depois, finalmente encontrei um táxi. O motorista avisou que seria quase impossível cruzar a cidade. Outra bomba havia sido descoberta num estacionamento. No dia seguinte, mais notícias: um motorista suicida lançou seu jipe contra um aeroporto e pulou do veículo, o corpo em chamas, gritando: ¿Alá! Alá!¿

Onde estava eu? Em Bagdá? Cabul? Tel-Aviv? Não, eu estava na Inglaterra. O Oriente Médio: agora, num cinema perto de você.

Mas o filme fica mais confuso a cada sessão. Quando o assistimos no 11 de Setembro, ele tratava da presença americana no coração da Arábia Saudita. Em 7 de julho de 2005, era sobre a juventude muçulmana desempregada e alienada na Grã-Bretanha. Há dois dias, no Iêmen, era sobre sete turistas espanhóis mortos quando um suicida lançou seu veículo contra eles num local turístico. Não foi a Espanha que saiu do Iraque para tirar seu povo da mira?

Como esses incidentes são esparsos, ficamos cegos para a loucura que eles representam. Nos últimos anos, centenas de muçulmanos se suicidaram no meio de civis inocentes - sem fazer nenhuma exigência política concreta nem provocar nenhuma condenação vigorosa e sustentada no mundo islâmico.

Duas tendências estão em jogo: a humilhação e a atomização. A auto-imagem do Islã é a da mais perfeita e completa expressão da mensagem monoteísta de Deus; e o Alcorão é Sua última e mais perfeita palavra. Dito de outro modo, os jovens muçulmanos aprendem que o Islã é Deus 3.0. O cristianismo é Deus 2.0. O judaísmo é Deus 1.0. E o hinduísmo e todas as demais religiões são Deus 0.0.

Um dos fatores que levam os homens muçulmanos, particularmente os instruídos, a cometer esses atos de violência extrema é que, embora tenham aprendido que possuem o mais perfeito e completo sistema operacional, eles encaram a cada dia a realidade de que as pessoas que vivem com Deus 2.0, Deus 1.0 e Deus 0.0, em geral, têm muito mais prosperidade, poder e democracia que as pessoas sob o Islã. Isso cria dissonância e humilhação. Como é possível? Quem fez isso conosco? Os cruzados! Os judeus! O Ocidente! Nunca é algo que eles deixaram de aprender, aceitar ou construir. A humilhação produz uma reação violenta.

Nos velhos tempos, era necessária uma infra-estrutura terrorista com bases em Beirute ou no Afeganistão para lançar um ataque de grandes proporções. Isso mudou. Agora, o Afeganistão virtual - a internet e alguns telefones celulares - é suficiente para recrutar, doutrinar, planejar e executar. Daí a atomização - pequenos grupos terroristas brotando em toda parte. Hoje, todo mundo tem um kit de iniciação.

O general Michael Hayden, diretor da CIA, observou num discurso recente que, durante a guerra fria, ¿o inimigo era fácil de encontrar, mas difícil de eliminar¿, pois a União Soviética era grande e poderosa. ¿A inteligência era importante¿ na época, acrescentou ele, ¿mas foi ofuscada pela necessidade de poder de fogo real¿.

Na atual guerra contra grupos terroristas, disse Hayden, ¿ocorre exatamente o contrário. Nosso inimigo é fácil de eliminar, mas difícil de encontrar. Hoje, procuramos indivíduos ou pequenos grupos que planejam atentados suicidas, mantêm websites jihadistas violentos e enviam combatentes estrangeiros ao Iraque.¿

Eu iria mais além. A União Soviética era fácil de encontrar e difícil de eliminar, mas, uma vez morta, estaria morta para sempre. Ela não tinha poder de regeneração porque não tinha base popular. Os terroristas do Iraque ou de Londres são difíceis de encontrar e fáceis de matar, mas muito difíceis de eliminar. Novos recrutas simplesmente continuam brotando.