Título: Precedente perigoso
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2007, Economia, p. B2
Em princípio, nada há de especialmente errado em que o governo distribua compensações para o setor produtivo. O problema aparece quando essas compensações não compensam ou quando produzem efeitos na contramão do que se propõem a produzir.
Terça-feira, o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, adiantou que o governo está inclinado a elevar unilateralmente, para 35%, a Tarifa Externa Comum (TEC) a têxteis, calçados e móveis.
Tudo começou há dois meses, quando o governo federal entendeu que as tarifas alfandegárias dos produtos desses três setores devessem ser elevadas de 20% (têxteis e calçados) e 18% (móveis) para 35%, de modo a compensá-los das perdas que vinham enfrentando com a valorização do real.
Na condição de união aduaneira, o Mercosul exige que seus membros tenham uma política de comércio exterior unificada. Se é para elevar as tarifas alfandegárias, é preciso que o bloco aja unido. Porém, levada a questão à reunião feita na semana passada, Paraguai e Uruguai vetaram a proposta, por entenderem que os prejudicaria.
A exigência é, em si, discricionária, contraditória e ineficaz. Discricionária, na medida em que contempla apenas três setores da economia que talvez nem sejam os mais prejudicados pela trajetória do câmbio. Contraditória, porque este é o momento em que o governo Lula negocia a redução geral das tarifas aduaneiras no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). E ineficaz, pois pouco refresca a situação desses setores que enfrentarão concorrência crescente do produto importado no mercado interno, porque o real tende a se valorizar ainda mais. E porque nenhum aumento de tarifa protege o mercado externo.
Além disso, seria uma decisão ilegal, na medida em que a proposta do governo é (ou era) impor essas restrições não a valores, mas a volumes de mercadoria importada, o que é proibido pelas regras da OMC. Se uma decisão desse tipo fosse tomada, o Brasil ficaria vulnerável à contestação em Genebra, sede da OMC. À última hora, o governo Lula parece ter desistido de levar adiante a idéia de taxar volumes de importação.
Mais incompreensível ainda é a proposta de responder ao veto de Paraguai e Uruguai com a elevação unilateral da tarifa de importação e, uma vez perpetrado o fato consumado, pedir um waiver (tolerância) aos sócios do Mercosul.
O Brasil já vem enfrentando a imposição unilateral de salvaguardas pela Argentina à entrada de seus produtos, entre os quais coincidentemente estão têxteis e calçados. E, conquanto feche um olho para elas, não deixa de acusar seu desconforto com a situação.
De todo modo, essa imposição seria um grave precedente. Seria uma autorização tácita para que os outros membros do bloco furem a TEC quando lhes der na telha.
Os tratados do Mercosul estão desmoralizados demais para suportar novos atropelamentos desse tipo.