Título: Um mau negócio para o Mercosul
Autor: Kuntzm, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2007, Economia, p. B2

Hugo Chávez será permanente ou transitório? A questão é inevitável, diante da resposta do presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Heráclito Fortes, ao ultimato do presidente venezuelano aos Parlamentos do Brasil e do Paraguai. O Congresso brasileiro, disse o senador, vai examinar a adesão da Venezuela ao Mercosul 'pelo seu lado permanente' e não pelo 'transitório'. Segundo ele, o país permanece, o presidente, não. O senador pode ter sido precipitado. Primeiro, porque o coronel Hugo Chávez tem a possibilidade legal de se eleger um número ilimitado de vezes. Segundo, porque não há como distinguir os objetivos do Estado venezuelano, neste momento, dos propósitos políticos de seu governo. Esses propósitos podem ser um entrave à capacidade negociadora do Mercosul. Um bloco só pode funcionar se os seus objetivos diplomáticos forem decididos em conjunto. O presidente venezuelano obviamente não pensa dessa forma. Em terceiro lugar, o candidato a sócio deve conformar-se às normas do clube, e não o contrário. O coronel Chávez declarou mais de uma vez não estar interessado no 'velho Mercosul'. Ele pretende, portanto, moldar o 'novo' segundo sua vontade, isto é, de acordo com os planos da 'alternativa bolivariana', seja qual for o seu significado. Por todos esses fatores, o presidente venezuelano é muito mais que um dado secundário e transitório. Essas questões são essenciais para qualquer avaliação razoável da adesão da Venezuela. O ultimato do presidente Chávez - três meses para a votação pelos Parlamentos do Brasil e do Paraguai - não seria um detalhe importante, se fosse apenas uma nova manifestação de incivilidade ou de mau jeito. É mais que isso. A truculência do presidente venezuelano corresponde a um padrão de governo e de política internacional, apesar do 'realismo' sempre lembrado por seus admiradores brasileiros. De fato, a Venezuela continua a vender petróleo aos Estados Unidos, mas também não teria alternativa a curto prazo. Tomar esse comércio como prova de razoabilidade é ir longe demais. Quais seriam os custos e benefícios para o Brasil - e para o Mercosul, naturalmente - da adesão da Venezuela, neste momento? Esta é a pergunta relevante. Do ponto de vista comercial, nada se acrescentaria. O Brasil já é um importante fornecedor da Venezuela e não teria maiores vantagens por muitos anos, até porque o presidente Chávez não aceita maior abertura de mercado ainda por longo tempo. O ganho para os demais países do bloco seria igualmente nulo ou quase nulo, desse ponto de vista. Chávez tem conquistado simpatias, no Mercosul, unicamente por seu apoio financeiro a alguns países. O mais beneficiado tem sido a Argentina, pois o Tesouro venezuelano tem sido um importante comprador de seus títulos públicos. Sem Chávez, o presidente Néstor Kirchner teria tido imensa dificuldade para rolar a dívida pública. Será esse um bom motivo para conceder ao presidente venezuelano voz e voto nas deliberações do Mercosul? É preciso buscar mais do que resultados econômicos e comerciais na integração sul-americana, têm dito os estrategistas internacionais do governo brasileiro. A idéia pode ser boa, mas quais seriam os vínculos políticos com a Venezuela de Chávez? O governo brasileiro ainda não conseguiu explicar com um mínimo de clareza o sentido político da incorporação da Venezuela ao Mercosul. Os congressistas deveriam cobrar essa explicação, muito detalhada, antes de resolver o assunto. Com a participação venezuelana, tem dito o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Mercosul se estenderá desde a Terra do Fogo até o Caribe. Segundo ele, será um grande passo para a integração sul-americana. Duas perguntas: 1) qual a vantagem de um bloco tão grande, se o Mercosul continuar fragmentado - talvez mais do que antes - e perder capacidade para negociar acordos de livre-comércio sem restrições ideológicas? 2) que integração sul-americana será essa, aquela esboçada pela diplomacia regional nos anos 90 ou aquela pretendida pela alternativa bolivariana? Para os mais otimistas, será melhor para a região um Chávez submetido à disciplina do Mercosul e à cláusula democrática do bloco. Pura fantasia. Se os defensores do ingresso da Venezuela estivessem preocupados seriamente com essa cláusula, neste momento, a discussão poderia ter tomado outro rumo. Mais fantasiosa, ainda, é a esperança de ver um Chávez disposto a contribuir para a harmonia de um bloco já muito dividido - a não ser para harmonizá-lo segundo suas ambições.