Título: 'Nossa proposta foi lida de cabeça para baixo', afirma Mandelson
Autor: Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2007, Economia, p. B6

Comissário de Comércio da UE diz que ficou perplexo com declarações de Lula sobre reunião de Potsdam

Alguém deve ter lido a proposta dos europeus para o acordo agrícola na Organização Mundial do Comércio (OMC) 'de cabeça para baixo'. Essa foi a explicação encontrada pelo comissário de Comércio Exterior da União Européia, o britânico Peter Mandelson, para as afirmações que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez na última segunda-feira. 'A União Européia falou, falou, falou, mas, na hora de apresentar a carta que estava no bolso, não apresentou', disse o presidente, durante evento na fábrica da Scania, em São Bernardo do Campo.

Anteontem, em entrevista à BBC Brasil, Mandelson afirmou ter ficado 'perplexo' e 'confuso' com as declarações de Lula. Ontem, adotou um tom mais diplomático. 'Vi o presidente falar em flexibilidade.'

Lula, de seu lado, evitou entrar em choque com o britânico. 'Não estou na mesa de negociações', disse. Ele, porém, reiterou o apelo para que os negociadores busquem um acordo, 'mesmo não sendo o acordo dos sonhos'. Embora tenha evitado novas críticas a Lula, Mandelson foi duro ao discursar no almoço da cúpula empresarial Brasil-União Européia. Ele afirmou que os países em desenvolvimento, 'inclusive o Brasil', vão sair perdendo com o fracasso da rodada Doha.

Aos industriais, o britânico fez uma proposta que, nas contas do empresariado brasileiro, significa um ligeiro recuo em relação ao que a Europa defendeu na reunião de Potsdam, há duas semanas, quando fracassou a estratégia de tentar um pré-acordo entre os quatro protagonistas da Rodada Doha: Brasil, União Européia, Estados Unidos e Índia, o chamado G-4. Naquela ocasião, os europeus defendiam que a indústria deveria cortar suas tarifas em aproximadamente 58%.

Ontem, o britânico acenou com um conjunto de cortes tarifários que, nas contas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), significaria uma redução de aproximadamente 53%. A proposta, porém, foi considerada 'inaceitável' pela CNI, porque está longe do que a entidade colocou sobre a mesa (um corte de 48%) e também porque, no esquema tarifário da OMC, deixaria a indústria brasileira com uma tarifa mínima de 11,7% e máxima de 12%. Ou seja, haveria um intervalo reduzidíssimo entre uma e outra, o que impediria a implantação de qualquer política industrial.

Além disso, a proposta de Mandelson nem toca no que é prioridade para o Brasil: a redução dos subsídios dos países desenvolvidos à agricultura. Mesmo para a CNI, que é uma entidade industrial, esse ponto é fundamental. O comissário, porém, se recusou a falar sobre o tema.

Logo pela manhã, Lula reuniu-se por duas horas com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Segundo auxiliares do ministro, os dois falaram sobre a reunião de Potsdam e discutiram possíveis caminhos a serem seguidos, sem uma conclusão.