Título: Planos para a agricultura
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2007, Notas & Informações, p. A3
Os produtores terão crédito mais farto e mais barato para produzir alimentos e matérias-primas na safra 2007-2008, segundo os planos anunciados pelo governo federal. Serão R$ 58 bilhões para a atividade empresarial e R$ 12 bilhões para a chamada agricultura familiar, 16% a mais, no conjunto, que o total programado para a temporada anterior. As condições de financiamento são a parte mais vistosa dos pacotes apresentados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na prática, não devem representar grande mudança para a agropecuária. Não faltou dinheiro nos bancos, nos últimos anos, para as despesas de custeio e de investimento. Faltou ação governamental na hora certa, e na escala suficiente, para socorrer os produtores afetados pela seca, pelo descasamento entre custos e câmbio e por problemas sanitários de grande repercussão.
Entre os vários objetivos mencionados na apresentação do Plano Agrícola e Pecuário, dois são especialmente importantes: 1) ¿reduzir a necessidade de intervenções pontuais e casuísticas do governo, sobretudo em situações de crise¿; e 2) ¿contribuir para a estabilidade da renda agrícola¿. São objetivos elementares de qualquer política agrícola razoável. Pressupõem, no entanto, um amplo e confiável sistema de seguro rural, um mecanismo eficiente de apoio à comercialização e um trabalho rotineiro e preciso de vigilância e de proteção sanitária.
O governo tem falhado em todos esses quesitos. A defesa sanitária continua deficiente e isso foi reconhecido pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, no discurso de apresentação do plano. ¿É inaceitável¿, afirmou, ¿perder bilhões de reais por falta de um bom controle sanitário, seja da febre aftosa, da brucelose ou da tuberculose dos animais.¿
Mas o risco permanece, mesmo depois do último surto de aftosa em Mato Grosso do Sul, porque o dinheiro orçado tem sido insuficiente, a liberação de recursos tem sido lenta e o poder público permanece mal aparelhado para esse trabalho. ¿Na área vegetal¿, disse também o ministro, ¿perdemos R$ 2,19 bilhões com a ferrugem asiática na última safra.¿ Essa referência dispensa comentários adicionais. O ministro exibiu otimismo, apesar de tudo: segundo o presidente, disse Stephanes, não faltarão recursos para esse trabalho.
O sistema de seguro continua também deficiente. Cobre apenas 2,4% da área plantada, segundo informação contida no resumo do plano. O sistema tem escala reduzida, porque sua clientela é pequena, seus custos são elevados e os prêmios são muito caros.
A solução, segundo o ministro, será a substituição do atual Fundo de Estabilidade do Seguro Rural por um Fundo de Catástrofe, desenhado para estimular a participação das seguradoras no sistema. O projeto, informou Stephanes, estava pronto para ser encaminhado ao Congresso. Esse assunto, complicado e árido, poderá ficar esquecido no Parlamento, se o governo não se empenhar por sua tramitação. Assuntos como esse dificilmente atraem a atenção do público. Sua importância torna-se evidente para todos somente quando uma seca destrói a colheita de alguns milhares de produtores e eles acampam em Brasília.
A agenda mencionada pelo ministro inclui vários outros problemas. Merecem destaque, por sua importância, as deficiências da infra-estrutura, o endividamento do setor agrícola e as barreiras comerciais.Para resolver a primeira questão, o governo deve conter os gastos de custeio, reservar mais verbas para investimento e decidir, afinal, como será a cooperação com os investidores privados. Nesses detalhes o ministro não entrou, embora contenham a chave para a solução do problema logístico.
Do endividamento o governo tem cuidado em várias ocasiões, em geral sem muito critério. Tem renegociado as dívidas tanto de quem merece a ajuda quanto dos aproveitadores e maus pagadores habituais. É melhor o ministro cuidar do assunto com muita prudência, para não jogar o Tesouro numa nova armadilha.
Quanto às distorções do comércio internacional, não serão eliminadas facilmente. A Rodada Doha de negociações comerciais produzirá resultados modestos, se não fracassar totalmente. Resta cuidar dos acordos bilaterais e inter-regionais, mas destes o governo tem cuidado com escasso realismo.