Título: Mais rico, Hong Kong pede democracia
Autor: Perez, Angela
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2007, Internacional, p. A20

Território mantém a autonomia prometida por Pequim, mas exige o direito de escolher seu governante

Dez anos após a devolução de Hong Kong à China, muitos dos temores manifestados em 1.º de julho de 1997 se mostraram infundados. Mas as opiniões sobre como a antiga colônia britânica mudou na última década são determinadas pelas expectativas criadas antes da devolução.

Uma manchete da revista Fortune, em 1995, proclamava ¿A morte de Hong Kong¿. No entanto, os que previram o pior na ocasião estão agradavelmente surpresos com o fato de que Hong Kong continua sendo uma sociedade próspera e aberta.

Já os que viram 1997 como uma oportunidade para uma mudança positiva no status quo do território têm razão para ficar desapontados. Analisando a década passada como um todo, há a autonomia prometida pela fórmula de Deng Xiaoping de ¿um país, dois sistemas¿, mas o progresso na liberdade política tem sido limitado. Além disso, o comitê da Assembléia Nacional Popular de Pequim, que interpreta e emenda a Lei Básica, tem aberto precedentes na mini-Constituição de Hong Kong, segundo os interesses da China.

¿A devolução de Hong Kong foi positiva, pois permitiu a seus moradores ter um país. Há um senso entre as pessoas de Hong Kong de que precisamos trabalhar para obter a modernização da China, algo que já está ocorrendo em múltiplas áreas, não só econômica¿, disse ao Estado Christine Loh, presidente da Civic Exchange, um grupo de estudos políticos independente de Hong Kong.

¿No sentido social, você vê agora muitas pessoas e ONGs de Hong Kong trabalhando na China em várias áreas, como proteção ambiental e combate à pobreza e à aids¿, disse Christine.

Na última década, a China se desenvolveu a passos largos e se tornou a quarta maior economia do mundo, com um crescimento anual médio na casa de 10%. Em 2003, após a Síndrome Respiratória Aguda (SARS)deixar 299 mortos e afetar profundamente a economia de Hong Kong, a China ajudou o território, dando aos produtos da região livre acesso aos mercados chineses. Hoje, muitos dizem que Hong Kong não pode se dar ao luxo de cortar suas relações econômicas com a China. Esta, por sua vez, sabe que o sucesso de Hong Kong depende de seu império da lei e da abertura de mercados.

Pequim reduziu as restrições aos turistas chineses que viajam a Hong Kong e autorizou no território serviços bancários limitados em moeda chinesa. A China também permitiu que bancos comerciais invistam os fundos de seus clientes nas Bolsas de Valores do exterior, incluindo empresas chinesas instaladas em Hong Kong.

Em 1996, o PIB de Hong Kong era de US$ 153 bilhões e o crescimento anual era de 5%. Em 2006, o PIB do território foi de US$ 254 bilhões e o crescimento foi de 7%. A renda per capita, que era de US$ 24,5 mil há dez anos, pulou para US$ 38.127, tornando-se a 6ª do mundo - mais elevada do que as das quatro maiores economias da Europa Ocidental (Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália) e o Japão, na Ásia.

¿A principal questão para Hong Kong, que já era verdadeira antes da devolução, é qual seu papel já que as empresas estrangeiras não necessitam mais dela como uma intermediária para introduzir a China ao mundo¿, disse ao Estado Adam Segal, especialista em China do Council on Foreign Relations, de Nova York. ¿Agora que as companhias estrangeiras podem negociar diretamente com a China, Hong Kong teme perder a competitividade para Xangai. Hong Kong ainda tem uma grande vantagem comparativa e é mais atraente para investimentos por causa do império da lei e pelo fato de não haver corrupção no serviço público¿, disse Segal.

Para a China, Hong Kong precisa ser bem sucedida, pois Pequim pretende usar esse sucesso para eventualmente atrair Taiwan para a fórmula ¿um país, dois sistemas¿. A ilha, para onde fugiram os nacionalistas em 1949 e considerada por Pequim uma província rebelde, tem rejeitado todas as iniciativas de unificação.

AUTONOMIA

Quando a Grã-Bretanha devolveu Hong Kong à China, encerrando 156 anos de colonização, o acordo era o de que o território mantivesse seu sistema capitalista e suas liberdades civis por 50 anos. De certa forma, sob a fórmula ¿um país, dois sistemas¿, que promete um amplo grau de autonomia, Hong Kong ainda age e se sente como um país separado da China. Tem sua própria moeda e código de telefone e seu sistema legal ainda é o britânico.

Os moradores de Hong Kong - cerca de 6,9 milhões de pessoas espremidas em uma área de 1.092 km², equivalente à da cidade paulista de São José dos Campos - têm permissão para realizar cerimônias públicas para lembrar anualmente o massacre da Paz Celestial, de junho de 1989.

MÍDIA

Jornais e revistas regularmente tratam de questões que são consideradas tabus na China. Mas, apesar de Hong Kong desfrutar de altos níveis de liberdade de imprensa, há sinais perturbadores. Os críticos da mídia dizem que muitos jornais que antes eram ousados agora se tornaram comedidos, com medo de irritar a China. E uma pesquisa realizada recentemente para a Associação de Jornalistas de Hong Kong indicou que 30% dos 506 jornalistas questionados admitiram que adotam a autocensura.

Na última década, a China permitiu que Hong Kong tivesse seu próprio governo. Mas manteve para si o direito de indicar o chefe executivo (ou governador) do território. Os democratas e a maioria da população defendem o sufrágio universal em Hong Kong. Eles insistem que Hong Kong, uma das sociedades mais ricas e bem educadas da Ásia, está pronta para uma democracia completa.

Atualmente, o chefe executivo é escolhido para um mandato de cinco anos por um Comitê Eleitoral de 800 membros, a maioria pró-Pequim. Metade dos 60 deputados do Conselho Legislativo é eleita democraticamente por distritos eleitorais; a outra metade é escolhida por representantes de setores como comércio, turismo e educação. ¿Desejamos poder votar diretamente em nosso chefe executivo o quanto antes, mas a China não quer permitir o sufrágio universal talvez com medo da repercussão que isso possa ter¿, disse ao Estado a deputada Mandy Tam, do Partido Cívico.

Ainda é forte a identidade dos moradores de Hong Kong, segundo Segal, mas já pode ser notada a influência da China, especialmente na língua. ¿Dez anos atrás, era raro ouvir alguém falando mandarim em Hong Kong, mas agora a língua é ouvida com freqüência e muitos já estão estudando o idioma¿, disse o especialista, referindo-se ao fato de que as principais línguas no território eram cantonês e inglês.

Milhares de chineses cruzam diariamente a fronteira para trabalhar, fazer compras ou turismo em Hong Kong, a chamada ¿Pérola do Oriente¿. E a integração é cada vez maior.