Título: Primo pobre assume liderança da UE
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2007, Internacional, p. A23
Portugal, que já foi modelo do que um país europeu não deveria ser, encarrega-se da tarefa de revigorar o bloco
Depois de seis meses nas mãos da forte e rigorosa Alemanha, a presidência da União Européia passa para uma nação pequena e mais pobre, conhecida pelo estilo de vida relaxado. Não é a transição ideal para quem espera progresso em questões fundamentais, como a redação de um tratado para substituir a extinta Constituição da UE.
Mas o primeiro-ministro de Portugal promete infundir em sua presidência de meio ano, que começa hoje, o mesmo espírito reformista que usou para combater a inércia responsável pelo péssimo desempenho de seu país nos principais indicadores da UE.
José Sócrates, líder do governante Partido Socialista, de centro-esquerda, afirma que o bloco de 27 nações, repetidamente enfraquecido pela hesitação política, precisa de um empurrão. ¿A Europa não pode ficar parada¿, disse ele, acrescentando que pretende remover ¿obstáculos e bloqueios que já detiveram a UE por muito tempo¿.
Em dois anos de governo, Sócrates, divorciado, de 49 anos, ganhou uma reputação de gestor inflexível que se irrita facilmente quando seus planos encontram algum obstáculo. ¿Ninguém pode nos acusar de desistir quando a situação aperta¿, disse, referindo-se às contestadas reformas de seu governo.
Ele afirma contar com alguns aliados na Europa central para sua missão: a chanceler alemã, Angela Merkel; o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o presidente da Comissão Européia, o ex-primeiro-ministro português José Manuel Barroso. ¿Chegamos ao mesmo diagnóstico¿, disse Sócrates depois de um encontro com Sarkozy. ¿Nossas prioridades (...) são reformas que mostrem que a Europa e sua economia estão avançando e acompanhando as mudanças no mundo.¿
A presidência da UE promete ser o teste mais difícil para a determinação de Sócrates. Ex-ministro do Meio Ambiente, ele é relativamente inexperiente em assuntos internacionais. Portugal planeja reforçar os laços da UE com países mediterrâneos, incluindo os do Oriente Médio, e revigorar as relações com a África, onde o bloco perdeu espaço para a China.
Ao mesmo tempo, a UE deve tratar de problemas persistentes nos Bálcãs, das relações espinhosas com a Rússia e de disputas internas sobre o ingresso da Turquia no bloco.
Paralelamente, Portugal elegeu o Brasil como prioridade na sua presidência rotativa. Por iniciativa portuguesa, a União Européia vai organizar na quarta-feira, dia 4, a primeira reunião de cúpula entre o Brasil e a UE, na qual José Sócrates vai receber em Lisboa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O objetivo é preparar as bases para a consagração do Brasil como futuro ¿parceiro estratégico¿ da UE, modelo que o tornará num interlocutor privilegiado e regular do espaço europeu.
ESTRATÉGIA
Entre outros desafios, Lisboa também precisa concluir o esboço de um ¿Tratado sobre o Funcionamento da União¿ que, conforme combinado pelos líderes da UE na semana retrasada em Bruxelas, será uma versão reduzida de seus fracassados planos para uma Constituição.
E está em curso a Estratégia de Lisboa. Lançada em 2000, quando Portugal ocupava a presidência da UE, o plano foi adotado pelo bloco como um guia para a transição da era industrial à era do conhecimento baseada em serviços, com o uso da tecnologia para gerar riqueza.
Sócrates promete manter a pressão pela implementação do plano. ¿A Europa precisa investir mais em sua modernização¿, afirmou ele. Como líder de uma das economias mais frágeis da Europa, Sócrates sabe que a recusa da mudança tem um alto preço. Enquanto muitos países da Europa Ocidental começam a colher os frutos das reformas às vezes duras aplicadas nos últimos anos, Portugal evitou a mudança e agora sofre com um índice de desemprego de 8,4%, o mais alto em 21 anos.
Sua economia atrasada lhe rendeu o apelido de ¿doente da Europa¿. Em dezembro, uma análise da Comissão Européia apontou Portugal como exemplo, para os novos membros da UE, do que não fazer.
A escassez de mão-de-obra qualificada é grave. O Instituto Nacional de Estatística informou no ano passado que 70% dos trabalhadores não haviam concluído o ensino médio. O salário mínimo de 403 (US$ 542) é um dos mais baixos da Europa. O PIB per capita alcançou 80% da média da UE em 2000, mas no ano passado havia caído para 71%. O país anda para trás.
¿O problema está em não promover reformas¿, diz Ann Mettler, diretora-executiva do Conselho de Lisboa, grupo de estudos baseado em Bruxelas. Contudo, numa onda de reformas promovidas por Sócrates, Portugal dá sinais de que começa a sair do buraco. Mais de 250 mil pessoas se inscreveram no programa Novas Oportunidades para concluir a formação escolar. Todas as escolas agora têm conexão à internet em banda larga. Em 2005, apenas 18% possuíam o recurso.
Resistindo a greves e protestos nas ruas e controlando a maioria absoluta no Parlamento, Sócrates cortou drasticamente os gastos públicos, elevou a idade de aposentadoria dos funcionários públicos, aumentou impostos e reduziu benefícios sociais. Aumentos de salário dos funcionários públicos estão condicionados a avaliações de desempenho.
¿Sócrates comporta-se como um executivo-chefe¿, comentou o magnata português Belmiro de Azevedo. A campanha do primeiro-ministro está dando resultado: no primeiro trimestre, a economia portuguesa cresceu 0,8%, superando a média de 0,6% da UE.