Título: Nas prateleiras, equipamentos e peças comprados há mais de 20 anos
Autor: Tereza, Irany e Pamplona, Nicola
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2007, Economia, p. B6
¿Quero mais é ver isso aqui vazio.¿ Dirceu Miglioli responde de bate-pronto à pergunta sobre uma possível relação afetiva com aquele amontoado de equipamentos com os quais convive há 22 anos. ¿E, se Deus permitir, vou ver isso tudo montado, pronto para funcionar¿, completa.
Estamos em um enorme galpão na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis, onde imensas prateleiras acondicionam equipamentos eletrônicos e peças de fundição adquiridos há mais de duas décadas para Angra 3.
Miglioli é um dos 35 funcionários da Eletronuclear cujo trabalho é manter em bom estado os equipamentos comprados nos anos 80. São cerca de US$ 750 milhões, que correspondem a 70% da parte importada da usina.
Os funcionários vistoriam as peças, que, uma vez por ano, são checadas por representantes dos fornecedores e seguradoras. Algumas precisam de acondicionamento especial, para evitar que sejam prejudicadas por excesso de umidade. Outras - peças mais brutas de fundição - podem ficar expostas ao tempo.
A Eletronuclear tem quase 10 mil toneladas de equipamentos, divididos em galpões e pátios que, somados, têm área total de 37,5 mil metros quadrados. Parte está em Angra e parte nas instalações da Nuclep, a estatal responsável pelos equipamentos pesados, em Itaguaí, região metropolitana do Rio. Lá estão os principais equipamentos, como o reator, os turbogeradores e os geradores de vapor.
¿É muita caixa para abrir, não?¿, brinca Miglioli, apontando as prateleiras. A manutenção do maquinário custa à Eletronuclear cerca de US$ 20 milhões porano. Logo na entrada do galpão, um equipamento exibe a placa com dados técnicos e a data de chegada ao Brasil: 1985. Desconsiderando o design antigo, parece ter sido comprado recentemente. Minutos após o fim da visita, já estava embalado em invólucro especial, que indica o nível de umidade do equipamento.
O presidente da Eletronuclear, Othon Pinheiro, diz que o contrato com os alemães na época da compra das usinas Angra 2 e 3 foi mal feito, mas acabou beneficiando o País. O acordo previa o faturamento a peso, o que fez com que os vendedores enviassem primeiro os equipamentos mais pesados.
O computador responsável por processar as informações da usina ficou no fim da lista e, com a suspensão do contrato da terceira usina, acabou não vindo. ¿Foi o item com maior evolução tecnológica no período¿, conta o executivo. Agora, em vez de um processador da década de 80, do tamanho de um armário, a empresa poderá usar modernos laptops para fazer o mesmo serviço.
As obras para a fundação de Angra 3 foram iniciadas ainda na década de 80, mas suspensas após a constatação, pelo governo, de que não haveria condições financeiras para construir duas usinas ao mesmo tempo. Mesmo Angra 2, que chegou a estágio um pouco mais avançado, acabou suspensa, e foi retomada apenas no final do governo Itamar Franco.
Na Central Almirante Álvaro Alberto, Angra 1 e 2 estão lado a lado. O espaço para Angra 3 está mais adiante, após os galpões de equipamentos que, em sua maioria, serão demolidos após as obras. A empresa planeja manter apenas algum deles para as peças de reposição.