Título: 'Energia nuclear é o filho bastardo do ambientalista'
Autor: Tereza, Irany e Pamplona, Nicola
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2007, Economia, p. B11
Pinheiro não esconde a satisfação com a reativação do projeto de Angra 3 e diz: País pode se orgulhar por dominar o ciclo do urânio
Mentor do programa de propulsão nuclear para os submarinos brasileiros, Othon Pinheiro não gosta de ser tratado pela patente de almirante, com a qual se aposentou da Marinha, em 1996. Prefere o título de engenheiro - é diplomado em engenharia naval e pós-graduado nas áreas nuclear e mecânica. ¿Adoro a Marinha, mas foi um ciclo que se encerrou. Outro já se abriu¿, diz o presidente da Eletronuclear. Há um ano e meio à frente da estatal responsável pela operação das centrais nucleares, ele não esconde a satisfação com a reativação do projeto Angra 3.
¿A energia nuclear é o filho bastardo dos ambientalistas¿, brinca. Para ele, o Brasil pode se orgulhar de ter o domínio tecnológico do ciclo do urânio - que, admite, permitiria a fabricação da bomba atômica. ¿Mas, para quê?¿, indaga, em sua sala, ornamentada por sete pôsteres e uma enorme pintura do complexo nuclear de Angra. A seguir, a entrevista concedida ao Estado, um dia depois da decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
Qual a necessidade de um programa nuclear no Brasil?
Temos de trabalhar com a reserva de energia que já temos, que é a hídrica, e com uma complementar, que são as térmicas: nuclear, carvão, óleo e biomassa. Não existe forma de energia melhor do que a outra. O País tem de procurar uma composição que dê o menor preço médio e o menor impacto ambiental. Mas não se pode desprezar um energético ou outro. Esse programa não significa que vamos dar ênfase maior à nuclear. Seria lógico a gente não usar esse energético? Não. Porque, se somarmos as nossas reservas de petróleo e gás, dá, mais ou menos, o que temos de urânio. A curto prazo, teremos mais urânio até do que petróleo.
É a melhor alternativa que temos?
O que está acontecendo com o nosso sistema é que crescem a população e o consumo de energia, mas a quantidade de água estocada (nos reservatórios) não cresceu na mesma proporção. Temos de crescer a quantidade de energia produzida fazendo mais hidrelétricas. Embora eu seja da área nuclear, minha preferência de coração e de engenharia é por hidrelétrica, uma coisa formidável, um combustível renovável. Mas novas hidrelétricas não poderão ser construídas com reservatório com estoque. Haveria essa chance na queda do planalto central para a planície amazônica, mas é uma região coberta por florestas e ambientalmente complicada.
Ainda temos de vencer alguma barreira no ciclo de enriquecimento do urânio?
Isso já está vencido. Tecnologia nós temos e é de primeira linha. Não construímos nossas unidades industriais, mas tecnologia nós temos. Tem duas coisas das quais podemos nos orgulhar no Brasil: ter domínio do ciclo dos combustíveis fósseis, com a Petrobrás extraindo petróleo em águas profundas e produzindo gasolina para um Fórmula 1 e dominar todo o ciclo do combustível nuclear. Apenas não tivemos ainda a decisão política. Quer dizer, não tínhamos, agora temos, de construir as usinas, a parte industrial. Temos a capacidade de enriquecer o urânio de uma forma competitiva.
Dominar o enriquecimento de urânio baixa o custo de Angra 3?
Baixa o custo de produção de eletricidade de Angra, 1, 2 e 3. Hoje estamos com R$ 113,23 (por megawatt/hora). Estamos projetando inicialmente R$ 138,14 para Angra 3, mas estamos revendo isso. O preço vai baixar, mas prefiro não arriscar em quanto. Hoje encomendamos lá fora o enriquecimento, mas temos capacidade de produzir num custo mais baixo porque nossas centrífugas são muito boas. Angra 3 é a primeira central nuclear que é decidida com bases econômicas. No ano passado, a segunda forma de geração de eletricidade no país foi a nuclear. Geramos em Angra mais eletricidade do que todas as usinas a gás juntas e todas as térmicas a carvão juntas.
Por quê?
Porque é mais barato. O Operador Nacional do Sistema, quando pega as térmicas, tem de despachar primeiro as mais baratas. O fato de ser a segunda em produção é a comprovação de que é a mais barata. No ano passado, 3,3% da energia elétrica do sistema integrado nacional foi de origem nuclear; 91,9% em hidrelétrica. Todas as usinas a gás juntas geraram 3,1% e todas as a carvão, 1,6%.
O bombardeio contra o programa já começou, com manifestações de protesto inclusive.
No Brasil, o que existe de teórico dando peruada... Energia eólica, por exemplo, é muito boa para determinados locais. Mas temos de entender o seguinte: temos um problema de estoque para regularizar o sistema. Não dá ainda para estocar vento. Temos de usar eólica, mas levando em conta uma complementação térmica para garantir o estoque. Um energético não invalida o outro. Brincando com meus colegas ambientalistas, venho dizendo que a energia nuclear é o filho bastardo deles.
Eles não vão reconhecer a paternidade...
Ah, vão! Ainda vou chegar com o DNA lá e não vai haver como... A gente convive com todos os outros rejeitos, menos com o nuclear. É o que mais satisfaz os ambientalistas.
Vai ser difícil fazer a ministra Marina (Silva, do Meio Ambiente) reconhecer...
Mas ela vai. Um dia vamos chegar com o DNA e ela vai dizer: ¿Esse garoto é meu¿.
O sr. prevê dificuldades no processo de licenciamento ambiental?
Não, prefiro raciocinar positivamente. Uma coisa é a teologia, outra é o profissionalismo. Temos duas outras usinas funcionando direitinho.
O fato de Angra 3 passar pelo mesmo processo das hidrelétricas do Madeira, soa como uma ameaça?
Não tenho nenhum anticorpo contra os ambientalistas. Todos nós queremos que o mundo fique bom. Daqui da janela, vemos a Baía de Guanabara. Quando eu era novo, na Escola Naval, nadava nessa baía. Hoje, o cara que nadar ali sai com hepatite, cheio de metais pesados, o diabo. Acho que temos problemas ambientais sérios. Temos de tratar dos que temos e evitar que venham outros. Mas, dentro de parâmetros lógicos. A lógica indica que é indispensável, no caso do Brasil, a contribuição nuclear.
Também haverá royalties para os municípios que se habilitarem a sediar os depósitos de rejeitos?
Estamos sugerindo isso, mas a responsabilidade é da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Na tarifa há uma porcentagem para armazenamento de rejeito. Desse quantitativo sairia o royalty para o município que sedia. Não tenho noção de quanto representaria isso.