Título: O Sansão do Senado
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/07/2007, Notas & Informações, p. A3

Acometido do que se poderia chamar ¿síndrome de Sansão¿ - a figura bíblica que derrubou as colunas do templo para fazê-lo desabar sobre si e os inimigos que o haviam capturado -, o presidente do Senado, Renan Calheiros, parece disposto a contagiar com a sua desdita pessoal não só a instituição a cujo comando se acorrentou, mas a interlocução entre a Casa e o Palácio do Planalto. Talvez ele imagine que a tática de terra arrasada salve o seu mandato ameaçado por quebra de decoro parlamentar. Nessa sua fantasia, a maioria dos seus pares preferiria afinal poupá-lo para estancar uma crise que, por ter sido desencadeada por motivos éticos, poderia atingir também muitos deles.

Além disso, Calheiros deve ter acreditado que o presidente Lula, confrontado com a perspectiva de o Senado voltar do recesso quinzenal que começa na quarta-feira conflagrado demais para votar a tempo e hora projetos de interesse vital do governo, como a prorrogação da CPMF e da Desvinculação de Receitas da União (DRU), faria o que fosse preciso e mais alguma coisa para que a sua base parlamentar, centrada no PMDB e no PT, cerrasse fileiras em torno do político alagoano, em nome da razão de Estado conhecida como governabilidade. Mas, se é isso que ele de fato arquiteta, concebendo-se como um formidável estrategista, as suas contas não fecham.

Está à vista de todos o efeito bumerangue da sua radicalização, motivada ou por um maquiavelismo tosco, ou por insensibilidade para perceber que a opinião pública já o julgou (e os senadores conhecem o veredicto), ou por um descontrole emocional resistente aos florais de Bach que ingere, ou, enfim, por uma combinação disso tudo.

Em 40 dias, Calheiros queimou mais capital político do que o milionário da caricatura que acende charuto com dinheiro - e ele só tem a si próprio para se culpar pelo desperdício. Compare-se a cena de 28 de maio, quando pencas de senadores fizeram fila para o beija-mão depois do seu discurso de inocência, com a da última quinta-feira, quando até alguns daqueles deixaram o plenário em protesto contra a sua prepotência.

Na crônica da autodestruição de Calheiros, um momento decisivo foi a sua diatribe da terça-feira passada, quando disse que a oposição terá de ¿sujar as mãos¿ para removê-lo do cargo. Não foi preciso chegar a tais extremos ao menos para levá-lo a abdicar, simbolicamente, da presidência do Congresso - função própria do titular do Senado. Um acordo com a oposição a que o Planalto não esteve alheio persuadiu Calheiros a não presidir uma das mais importantes sessões conjuntas do Parlamento, a da votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, em troca da sua aprovação. O acordo incluiu outro compromisso ainda.

A Mesa do Senado deveria se reunir no dia seguinte para encaminhar à Polícia Federal o pedido do Conselho de Ética para aprofundar a perícia nos (duvidosos) papéis apresentados por Calheiros como prova de que tinha meios para arcar com os seus gastos extraconjugais, pagos por intermédio do lobista de uma empreiteira. Eis que ele não apenas transferiu a reunião para a véspera do início do recesso, como ainda procurou humilhar o líder do DEM, José Agripino, a quem derrotara na disputa pela presidência, dizendo-lhe que ¿quem tem 28 votos (caso de Agripino) não marca reunião da Mesa¿. ¿Quem marca é quem ganhou eleição.¿ Até mesmo a líder do PT, Ideli Salvatti, censurou essa conduta prepotente.

A cada vexame de Calheiros, a inquietação aumenta no Planalto. A maioria governista no Senado é bem menos ampla do que na Câmara. Foi por isso e não por desvelo que Lula o aconselhou a ¿tirar férias com a família¿. Para confortá-lo, resta-lhe o Brasil profundo. É o Brasil de Rosinha Jatobá, prefeita de Jequiá da Praia, um dos 60 alcaides alagoanos levados a Brasília para um ¿jantar de desagravo¿ ao chefe do clã Calheiros, na presença do governador tucano Teotônio Vilela Filho, que fez questão de esclarecer, ¿uma coisa é meu partido, outra sou eu¿.

Do senador ouviram que o processo de que se diz vítima é um golpe dos que não aceitam que ¿uma pessoa do Nordeste, de um Estado pobre, ocupe cargo tão importante¿. Mas, no que depender da prefeita Rosinha Jatobá, o golpe dará em nada. Alagoas, proclamou ela, ¿é um Estado de cabras machos, que não aceitarão injustiças¿.