Título: Boa escrita em linha torta
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2007, Nacional, p. A8
A urdidura do ex-senador Joaquim Roriz em prol da renúncia de seus dois suplentes é o tipo da receita certa escrita em linhas tortas.
A motivação - tentar voltar em breve ao Senado mediante a convocação de novas eleições no Distrito Federal para uma das três vagas de senador no prazo de 90 dias - não poderia ser pior.
Votos em Brasília ele sabe que tem de sobra.
Da mesma forma como não teve pejo de se expor com aquele discurso tosco envolvendo Deus e Nossa Senhora em suas maquinações infratoras - pois não falava para espíritos críticos e sim para o eleitorado sensível àquela encenação -, Roriz não terá também dificuldade em manejar suas habilidades populistas nem se constrangerá em agredir os fatos e afrontar o Senado, caso disponha de condições legais para tal.
Na essência, entretanto, a idéia não poderia ser melhor. Em princípio, já representa um bom começo para resolver a questão da cessão de prerrogativas de representação a políticos sem voto.
A mudança da regra com vistas a corrigir de vez a distorção é difícil. O assunto horroriza, mas não mobiliza a opinião pública a não ser em tempos de escândalos. Para os senadores interessa serem donos dos próprios mandatos e ainda ter a ingerência sobre outros dois, uma vez que ao titular da chapa cabe a indicação dos suplentes. Põem quem bem entendem: cupinchas, parentes, amigos, financiadores, devedores, cobradores, funcionários, apadrinhados.
Não se pode esperar, então, que abram mão desse privilégio. Mas a conversa dos poucos interessados em mudar poderia começar pela lebre levantada pelo ex-senador Roriz, aproveitando-se do interesse público que o assunto tem despertado justamente por estarmos em tempos de escândalo.
Poderia ser proposta assim essa primeira mudança: quem for cassado ou renunciar para escapar de processo fica obrigado a levar junto os dois suplentes, abrindo caminho para nova eleição, à qual - aí cumpriria bem ressalvar a lei - seria impedido de concorrer o acusado e seus dois pupilos, a bem dos bons costumes.
É uma questão de lógica: se o parlamentar alvo de acusação, indício ou comprovação de quebra de decoro é considerado impróprio para exercer delegação pública, seu senso sobre o exercício da função é condenável, seus critérios de escolha são postos em xeque e seu ambiente de convivência, no mínimo, inspira desconfiança, não há razão para conferir a seus suplentes a titularidade do mandato conspurcado.
Vejamos, para citar só o exemplo mais recente, o histórico (conhecido) de Gim Argello, o suplente que Joaquim Roriz não conseguiu convencer a renunciar: suspeito de estar também envolvido na transação do alegado empréstimo de Nenê Constantino a Roriz; acusado de patrocinar contratos superfaturados para aluguel de computadores à Câmara Legislativa do Distrito Federal, quando deputado distrital; objeto de meia dúzia de inquéritos civis e criminais; alvo de denúncias de percepção de propina e réu em processo sigiloso por crime contra o sistema financeiro nacional.
Foi Roriz quem o escolheu.
Bobos da corte
Quando o presidente do Senado invoca comparações com a situação vivida pelo PT e o presidente Luiz Inácio da Silva nos escândalos do primeiro mandato, expõe o mal que faz aquele discurso do não-faz-mal, corroborado por artistas convertidos ao (mau) lema segundo o qual só se faz política com as mãos sujas.
Não podem reclamar do Congresso nem de Renan Calheiros. Como, de resto, não têm feito. Calados ficaram desde a defesa da equivocada tese, calados estão diante de ¿tudo isso que está aí¿.
Insatisfação garantida
O presidente Lula não poderá, nem se quiser, fazer com o afilhado de Joaquim Roriz nomeado para a Caixa Econômica Federal - e já investigado pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal - o mesmo que o governador Luiz Henrique (SC) fez com dois vereadores cassados pela Câmara Municipal de Florianópolis.
Luiz Henrique pediu de volta os cargos ocupados por indicação de ambos. Se passasse pelas cabeças do Planalto solicitar devoluções semelhantes, seria aberto um precedente altamente perigoso em se tratando de PMDB, onde o que mais há são excelências investigadas e processadas.
Soluções ¿altas¿ - para usar a expressão em voga como sinônimo de S.O.S às aparências - não se adaptam às necessidades objetivas dos pemedebistas nem constam do contrato de arrendamento de apoio firmado entre o partido e o Palácio do Planalto a título de coalizão governamental.
Em conserva
Uma de duas: ou o senador José Sarney sumiu porque reconhece a natureza do mau combate em sua luta na defesa de Renan Calheiros - e, assim, não confia na inocência dele -, ou desapareceu a fim de se preservar para a eventualidade de ser convocado à sucessão do senador na presidência da Casa.