Título: O MEC não precisa errar sempre
Autor: Ghiraldelli Jr, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2007, Espaço Aberto, p. A2

O Estadão e o Jornal da Tarde de 3 de julho apontam problemas educacionais que o governo não consegue enfrentar: falta de professores e má administração do programa de alfabetização, inclusive com uma desagradável notícia sobre desvios de verbas que envolvem até mesmo a Fundação Paulo Freire. Quanto ao primeiro caso, o governo está bem informado. O Ministério da Educação (MEC) sabe que o ensino médio está jogado às traças, que faltam professores e que a carreira do magistério não é atraente. No segundo caso, o MEC foi pego de calças curtas. Duvido que passasse pela cabeça do ministro Fernando Haddad que poderia haver irregularidades no repasse de dinheiro para entidades que fazem parte do Programa Brasil Alfabetizado. No entanto, nos dois casos, o governo não é só responsável, é culpado. Tem de assumir a culpa e resolver os casos.

Tanto num caso como no outro, o erro está na estratégia governamental, na maneira como o MEC faz política. Quanto a isso, a culpa não é só do governo Lula, embora também o seja. A culpa é da falta completa, nos últimos 30 anos, de uma política capaz de recortar com cuidado o que é e o que não é ser professor do ensino médio no Brasil. Quando falamos de formação de professores, apontamos nossa retórica para o professor do ensino obrigatório. Quando falamos em professor em geral, temos como referência o professor universitário. O professor do ensino médio, que era a figura típica do professor bem formado dos anos 50 e 60, foi esquecido. Pois a escola média foi esquecida. Ela ainda está sob o dilema dos anos 60, não sabe se é propedêutica à universidade ou se não é. O Enade revela isso. É um exame que não avalia nada. Não é equivalente aos bons vestibulares. Portanto, não alinha a escola média a uma tarefa propedêutica. Ao mesmo tempo, o Enade também não é a cobrança de algum tirocínio profissional, pois a escola média, desde o governo Figueiredo, deixou a profissionalização de lado. Essa indefinição, se continuar, vai realmente levar o ensino brasileiro a um caos.

E a escola média ainda tem mais um problema. Descaracterizada em suas funções essenciais, ela também perdeu um de seus melhores cursos, o Normal de nível médio. O Brasil é um país que come angu e arrota peru. Resolveu acabar - criminosamente - com a escola Normal de nível médio e quis passar a formar o professor do ensino fundamental em nível superior. Eis aí, agora, o resultado: o único curso profissionalizante que o ensino médio tinha, e que realmente funcionava bem, nós perdemos e não sabemos o que fazer.

E a alfabetização? Bem, nesse caso, o problema do governo não é de falta de cuidado ou falta de ênfase, mas, ao contrário, de excesso de ênfase. A sede de fazer o Brasil aparecer nas estatísticas de modo saudável, sem analfabetos, foi um sonho da ditadura militar e, agora, do PT e do MEC. A idéia é acabar com o analfabetismo da noite para o dia. E o resultado está aí: desvio de verbas. Organizações não-governamentais (ONGs) que se cadastram no programa pegam o dinheiro e não fazem o serviço. Não vão fazer mesmo, pois o MEC não fiscaliza. Qual a razão? Correria, pressa - eis aí o problema. As estatísticas precisam aparecer e, então, o dinheiro é colocado sem que os programas sejam estruturados de modo sereno.

Todo país que corre para pegar estatísticas e mostrá-las como troféu não sai do lugar. A estatística boa é um sonho de consumo de governantes do Terceiro Mundo. E, por causa delas, eles sempre governarão no Terceiro Mundo. Todos os países que descuidaram de suas estruturas educacionais e investiram em programas contingenciais, para resolver as coisas em termos de estatística, não avançaram. O Brasil vem investindo no combate ao analfabetismo desde o início da República, e não vai vencer. Analfabetismo não se resolve com medidas contingenciais, mas com escola. Mas nosso país não aprendeu isso. A ditadura militar fez o Mobral e encantou todo mundo, inclusive o PT. Não entendi a razão por que todos os nossos governantes não alfabetizam as crianças e, depois, com programas caros, correm para tentar pagar o prejuízo, tentando alfabetizar os já adultos. Estamos nisso faz tempo. O MEC atual não aprendeu a lição.

Há saída para esses dois problemas, o da escola média e o da alfabetização? Sim, há. E o governo tem nas mãos a saída. Na crítica que fiz ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), para a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), aponto a saída para o MEC. O meu documento está nas mãos do ministro da Educação, Fernando Haddad. Uma parte da solução é a volta da escola Normal de nível médio. Com isso fortaleceremos o que era bom no ensino médio, revitalizamos o curso de Pedagogia - que terá seus egressos com emprego - e, por fim, criaremos alfabetizadores mais voltados para a prática, mais jovens e, então, com mais paciência para lidar com as crianças.

Essa volta da escola Normal de nível médio pode ser feita nos Institutos Federais de Educação Tecnológica (Ifets), que o governo prevê por meio de um dos decretos do PDE. Nesses institutos é possível criar o Normal de nível médio em torno de laboratórios pedagógicos que possam ensinar o futuro professor a alterar comportamentos. Tais laboratórios serão o segredo para que a nova normalista não se eduque fazendo ¿estágio¿, o que inferniza a vida de qualquer estudante. Ela irá se formar a partir de um ensino em que a prática é interior ao Ifet; a prática ocorrerá no próprio laboratório pedagógico, que, enfim, estará associado a uma escola infantil e a uma escola de ensino fundamental, interna ao Ifet.

Não tenho espaço aqui para explicar mais. Mas a diretriz da idéia é esta. Fernando Had-dad tem a solução na mão. E dinheiro, também. Pode fazer a coisa certa.

Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, é consultor da OEI para a avaliação crítica do PDE