Título: O pedágio ruralista
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2007, Notas & Informações, p. A3

Incapaz de proteger o Tesouro contra a bancada ruralista, o governo cedeu mais uma vez e vai refinanciar compromissos no valor de R$ 7 bilhões com vencimento neste ano. O negócio é simples: ou o governo paga ou a bancada atrapalha a aprovação de medidas importantes, como a prorrogação da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Sem essa prorrogação, já prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Tesouro deixará de arrecadar, em 2008, uma soma provavelmente muito próxima de R$ 40 bilhões. Também está em jogo a prorrogação da DRU, a Desvinculação de Receitas da União. Com esse dispositivo, o orçamento fica menos engessado e o poder central ganha liberdade para manejar 20% de sua arrecadação. Com a decisão anunciada na quarta-feira pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, parte do pedágio para a aprovação de projetos de interesse do Executivo está assegurada. Ainda será preciso pagar a parcela cobrada pelo PMDB, sob a forma de nomeações para suculentos cargos do segundo escalão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já começou a pagar também essa parte, mas seus aliados têm mostrado impaciência e querem receber muito mais. As cobranças incluem postos na direção das empresas federais de eletricidade.

O PMDB tira vantagem de sua condição de aliado mais forte do PT. Seu apoio no Congresso é fundamental para as iniciativas mais importantes do governo. Sem esse aliado, o presidente Lula terá dificuldade para executar seus planos principais. Não se trata, e o presidente sabe disso, de uma aliança ideológica ou programática. Maiorias parlamentares, no Brasil, são normalmente voláteis e podem custar muito caro. O caso da bancada ruralista corresponde a outro padrão, também fisiológico e também dispendioso para o Tesouro, isto é, para o contribuinte.

Bancadas corporativas são independentes de filiações e de orientações partidárias. São programáticas apenas num sentido: servem para atender a interesses corporativos, quase sempre à custa da maior parte da sociedade. Em algumas circunstâncias, são mais eficientes, como grupos de pressão, do que grandes partidos.

A bancada ruralista acumulou grande experiência na extração de vantagens do governo. Conseguiu refinanciar os débitos do setor rural várias vezes - e até o fim do ano ainda poderá forçar a renegociação de mais R$ 59 bilhões. Desde 1995, a rolagem dessas dívidas custou ao Tesouro R$ 10,4 bilhões. A nova renegociação custará R$ 300 milhões. Envolverá dívidas de custeio e de investimento e incluirá compromissos já renegociados. No caso dos investimentos, os produtores deverão, para ter direito à repactuação, pagar uma pequena parte dos débitos com vencimento neste ano, mas com descontos especiais. Serão beneficiados produtores de algodão, arroz, milho, soja e trigo, sem distinção por Estado. O governo havia pretendido alguma discriminação, mas decidiu ceder.

Também isso tem sido característico das operações de refinanciamento. O governo acaba concedendo benefícios de forma generalizada, sem levar em conta as circunstâncias de cada caso e a necessidade real de cada devedor. Sem diferenciação, a ajuda acaba sendo embolsada tanto pelos produtores gravemente afetados por secas ou por outras adversidades quanto por devedores simplesmente avessos à idéia de liquidar compromissos bancários.

Ao apresentar, no final de junho, o plano financeiro da próxima safra, o governo anunciou a intenção de reformar e fortalecer o sistema de seguro rural. Para dar certo, o sistema deverá incluir a adesão obrigatória do produtor, como condição de acesso ao financiamento com juros oficiais. Se o mecanismo funcionar corretamente, o produtor ficará menos sujeito a grandes oscilações de renda.

Isso não impedirá, naturalmente, novas tentativas da bancada ruralista de arrancar vantagens do Tesouro. Apenas tornará mais trabalhoso, politicamente, agitar a bandeira da renegociação periódica das dívidas. Para enfrentar esse tipo de problema, o governo terá de atuar, no Congresso, com muito mais eficiência do que tem exibido até agora.

Durante muito tempo, os líderes petistas apoiaram os movimentos da bancada ruralista contra o Tesouro. Agiram sempre invocando a defesa de interesses dos pequenos produtores, mas, na prática, sempre contribuíram para o benefício dos grandes e habituais caloteiros.