Título: Planos quebrados consomem R$ 10 mi
Autor: Sant¿Anna, Emilio
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2007, Vida&, p. A19
ANS utiliza verba do Tesouro Nacional para bancar processo de liquidação das empresas; especialistas criticam
Em seis anos e meio, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) empregou mais de R$ 10 milhões em intervenções fiscais e liquidações de operadoras de planos de saúde. O gasto é referente ao período de janeiro de 2001 a junho de 2007. Neste ano, a quantia já passa de R$ 2 milhões. A agência, no entanto, garante que o gasto deve ser menor que em anos anteriores.
Apesar de 70% do orçamento da agência vir da cobrança de taxas das operadoras de planos de saúde, a verba para a liquidação dessas empresas, segundo a ANS, vem do Tesouro Nacional.
A transferência da verba pública para as operadoras é autorizada pela lei que regulamenta a existência da ANS e por uma resolução interna que dispõe sobre a liquidação extrajudicial das operadoras de planos de saúde. A nomeação de um interventor durante o período de liquidação da operadora é de responsabilidade da agência e, de acordo com a lei, também o pagamento desse profissional, caso a empresa não possa arcar com os custos.
Especialistas em gestão em saúde e direito do consumidor, no entanto, discordam dessa interpretação da lei e criticam o uso de dinheiro público em empresas privadas.
Para Lígia Bahia, médica e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Unidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ainda que o dinheiro utilizado não fosse público, seria ilegal da mesma forma. ¿Mesmo que o dinheiro viesse das empresas seria errado, pois a lei não permite¿, diz.
De acordo com a médica, a interpretação que a agência faz da lei não tem nenhum respaldo. ¿A legislação diz que a ANS é responsável pelo processo de transferência da carteira de clientes¿, afirma. ¿O que não está previsto é a forma legal do empréstimo.¿
O presidente da ANS, Fausto Pereira dos Santos, contesta que a operação seja um empréstimo para as operadoras. Para ele, ¿adiantamento¿ é um termo mais adequado, uma vez que, terminado o processo de liquidação extrajudicial da empresa, o dinheiro deve retornar aos cofres da agência. ¿Isso é resultado de uma maior fiscalização do mercado¿, afirma.
Neste mês vence o prazo de seis anos dado pela ANS para que as empresas do setor comprovem ter saúde financeira para continuarem operando, como a garantia de capital mínimo para o funcionamento.
INTERVENÇÃO
O processo de direção fiscal, etapa anterior ao processo da liquidação extrajudicial, tem duração de seis meses - que pode ser prorrogada. Após esse período, um relatório é entregue à ANS para a avaliação da condição financeira da empresa. Caso não haja condições econômicas para o plano de saúde continuar operando, a intervenção é decretada pela Justiça.
Para o presidente da ANS, esse é um processo natural. As críticas, segundo ele, ocorrem por falta de compreensão do processo administrativo da agência. ¿Se uma empresa passou pela regulação do Estado, ele deve organizar minimamente o processo de falência¿, diz. ¿Todo patrimônio pessoal dos controladores dessas operadoras é imobilizado, eles não voltam a dirigir nenhuma empresa de saúde privada por cinco anos, ou seja, não é nenhum benefício da ANS. É uma punição.¿
Pereira, no entanto, concorda que uma maior fiscalização dessas empresas quando ainda não apresentam sinais de problemas financeiros ajudaria a diminuir os gastos públicos com as liquidações. ¿Estamos num setor que sempre teve problemas, não era possível que em nove anos (desde a criação da ANS) resolvêssemos esse passivo que não é de agora¿, diz.
SUS
Acostumada a receber reclamações dos clientes dessas operadoras, a advogada Daniela Trettel qualifica a transferência de dinheiro público para a empresas em liquidação como uma distorção. ¿Esse é um dinheiro que poderia ir para o Sistema Único de Saúde para atender a todos¿, afirma a especialista.
A advogada afirma que o setor já é de uma forma ou de outra financiado pelo sistema público de saúde quando, por exemplo, deixa de ressarcir o SUS pelos atendimentos de pacientes conveniados.
Para ela, outra distorção é a contratação de funcionários para atuarem durante o processo de liquidação extrajudicial das empresas. A agência tem um banco de currículos de onde saem esses profissionais. ¿A ANS tem um quadro de funcionários bastante extenso. Poderia nomear uma pessoa que já é concursada¿, diz.