Título: Inflação menos previsível no horizonte?
Autor: Carneiro, Dionísio Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2007, Economia, p. B2

O Conselho Monetário Nacional (CMN) aumentou a imprevisibilidade da inflação. Marcou um gol contra uma importante conquista da estratégia de metas: a menor incerteza quanto à política monetária.

A decisão de manter inalterados em 4,5% a meta e o intervalo de conforto entre 2,5% e 6,5% para 2009 seria apenas uma lamentável mensagem de que o governo não pretende esforçar-se para fazer a inflação e os juros brasileiros convergirem para os valores internacionais, se não tivesse sido acompanhado do pior: uma das justificativas mais confusas que mancham a trajetória de clareza que as autoridades monetárias vêm privilegiando nos últimos anos. Numa interpretação benévola, poder-se-ia acreditar que o CMN sinalizava que não pretende recorrer a um aumento drástico de juros em resposta a um eventual choque inflacionário. Com isso, estaria diminuindo a incerteza dos investimentos a longo prazo e que ainda perturbam o processo de queda de juros. Numa interpretação menos favorável ao governo, a manutenção do intervalo de tolerância e da meta sinaliza menor empenho no controle da inflação, em nome de uma heterodoxia caduca, que acha que tolerância inflacionária produz crescimento.

No domingo passado, em entrevista ao Estado, o ministro da Fazenda tratou de dirimir essa dúvida ao afirmar que, se houver ¿pressão inflacionária localizada (???)¿, não há por que aumentar os juros, porque... ¿com uma meta mais flexível (???)... há menos perigo de haver a interrupção do processo de crescimento sustentado¿.

O governo parece não se dar conta de que a inflação vem respondendo bem à estratégia de metas e que as expectativas de inflação são alimentadas não apenas pelo câmbio, mas pela reputação conquistada pelo Banco Central nos últimos anos. Graças a essa resposta, a inflação brasileira converge para a inflação externa, apesar da política fiscal expansionista e da rapidez com que cresce a oferta de crédito. Numa economia aberta, com câmbio flexível, o bom momento nas relações de troca com o exterior faz com que seja mais fácil coordenar as expectativas de desinflação e de redução dos juros, e permitiria reduzir os custos esperados do controle dos choques inflacionários futuros. Como? Com maior abertura e aproveitando o câmbio valorizado para sinalizar meta menor no futuro e não, maior.

Com o esclarecimento do ministro da Fazenda, fica claro que a manutenção da meta de 4,5% e do intervalo de tolerância aponta na direção oposta: em nome de exorcizar o ¿conservadorismo¿, a equipe está preparada para acomodar maior inflação, supostamente prevalecendo a preferência pela sustentação do crescimento a curto prazo, em detrimento da confiança que custa tanto tempo conquistar.

Quanta inflação adicional o governo poderá acomodar quando persegue o afrouxamento monetário e não a convergência da inflação e dos juros aos valores da economia internacional? Suponhamos, por exemplo, que o governo tenha agora um objetivo não declarado de baixar os juros para algo como 9% em 2008 e 7% em 2009. Quanta inflação estará disposto a tolerar? Isso depende de como serão formadas as expectativas diante de um novo choque. Aparentemente, o governo acha que pode contar com a reputação que foi herdada das mesmas políticas que o ministro da Fazenda deseja exorcizar. De fato, calculo que o crescimento do PIB poderá ser acelerado para algo da ordem de 5,5% (se não houver estrangulamentos setoriais nos transportes e na oferta de energia, por exemplo, outro otimismo), com uma inflação da mesma ordem de magnitude (sem choque desfavorável) em 2008, que se aceleraria para 6,5% em 2009.

Mas e se as expectativas piorarem diante da nova postura anunciada pelo CMN? Um modelo simples de expectativas sugere que, sob as mesmas hipóteses, a inflação atingirá mais facilmente o limite superior da meta já em 2008 e pode chegar a 8% em 2009. Essas projeções ilustram a ampliação dos intervalos de projeção de inflação, cuja redução foi uma conquista importante da estratégia de metas. Desde a saída de Palocci se tem fragilizado o compromisso do governo com a política monetária, que tem rendido, consistentemente, frutos econômicos e políticos nos últimos anos. Foi dado mais um passo para aumentar a imprevisibilidade da inflação e do crescimento. É difícil entender por que gastar tanta energia para mudar o que funciona e tão pouca com o que precisa mudar.