Título: Nota fria 'lavava' os ganhos ilícitos
Autor: Tosta, Wilson e Auler, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2007, Nacional, p. A7

Rede de empresas atestava serviços inexistentes e permitia a empresários receber dinheiro desviado

A denúncia do Ministério Público Federal à Justiça revela que empresas de fachada emitiam notas fiscais frias, atestando a prestação de serviços ou vendas inexistentes, para desviar recursos quando os empresários acusados de operar o esquema de fraudes contra a Petrobrás recebiam pagamentos da estatal. O esquema, segundo a denúncia, era operado por Ruy Castanheira, advogado e contador com passagem por cargos no governo fluminense e ligações políticas, e permitia sonegar impostos e desviar verba para propinas ou sócios da Angraporto.

Ontem, mais uma vez, o Estado tentou falar com o advogado de Castanheira, Luciano Saldanha Coelho, mas não houve resposta aos pedidos de entrevista.

Os investigadores avaliam que o desmantelamento da rede de empresas de fachada supostamente operada por Castanheira pode levar ao desbaratamento de outros esquemas, a partir do exame do material obtido nas buscas e apreensões da Operação Águas Profundas.

Essa expectativa é alimentada pelo resultado de interceptações telefônicas feitas com autorização judicial, nas quais apareceram indícios de outras operações irregulares, sem ligações com o caso da Petrobrás nem com as fraudes envolvendo ONGs e cujos interlocutores não foram identificados. Responsáveis pela investigação estão convencidos de que esbarraram num megaesquema de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

LAVAGEM

Na máfia da Petrobrás, uma das operações que chamaram a atenção envolveu a Angraporto - de Fernando Stérea, Mauro Zamprogno, Wladimir Pereira Gomes e Simon Clayton - e a Intecdat Serviços Técnicos, formalmente controlada por Joaquim de Almeida Ribeiro e Wilson Ribeiro Diniz, mas, de acordo com o procurador da República Carlos Aguiar, sob controle de fato de Castanheira.

Em 29 de março de 2005, a Angraporto recebeu da estatal R$ 3.262.683,77, e, no dia seguinte, transferiu R$ 245 mil a uma conta da Intecdat no Unibanco. Nos dois dias seguintes, houve oito saques - quatro na boca do caixa - de valores entre R$ 17 mil e R$ 53,5 mil, dinheiro que acabou repassado aos donos da Angraporto, diz a denúncia.

Em seguida, segundo a investigação, os acusados emitiram mais três cheques, em favor das empresas Zamprogno Oil Business e Logística Ltda., de Zamprogno, e Benmore Corporation Ltda., de Stérea e Felipe, filho de Castanheira.

Segundo o Ministério Público, dessa forma surgiram na contabilidade da Angraporto ¿falsas despesas¿ com as três empresas, justificadas por recibos frios, o que reduziu o lucro e o Imposto de Renda a recolher. ¿Vale anotar que na própria movimentação financeira dos denunciados Mauro Zamprogno e Fernando Stérea constam diversos depósitos provenientes de empresas fantasmas operadas por Ruy Castanheira, incluindo a Intecdat¿, afirma a denúncia.

Para dissimular as irregularidades, o grupo se preocupava em recolher os impostos sobre as operações fantasmas. Indício dessa preocupação é diálogo entre Castanheiro e seu filho, interceptado pela Polícia Federal em 30 de maio de 2005. ¿Felipe, dá uma olhada no talão da RVM, em cima da mesa, qual foi o valor da nota que eu emiti pra Angraporto, por favor?¿, perguntou. ¿Pera aí, 82.200,00¿, respondeu o filho. ¿O bruto?¿, tornou o pai. ¿Isso¿, disse Felipe. ¿Imposto de Renda na fonte 1.233, não é isso? Tá bom.¿

A Justiça negou ontem habeas-corpus aos Castanheira e a outro réu, Ricardo Secco. À noite, foi pedido habeas-corpus em favor do suspeito Ricardo Moritz.