Título: STJ autoriza aborto de feto com má-formação
Autor: Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/07/2007, Vida &, p. A16

Código Penal de 1940 só autoriza interrupção de gravidez em caso de estupro ou risco de morte da gestante

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Raphael de Barros Monteiro Filho, autorizou a interrupção da gestação de um feto diagnosticado com uma anomalia chamada encefalocele. A encefalocele é uma má-formação do cérebro que leva o feto à morte em horas ou dias após o nascimento.

Católico, Monteiro Filho levou em consideração o fato de que não existia chances de vida após o nascimento - possibilidade não prevista no artigo 128 do Código Penal, de 1940 - e havia risco de morte da mãe se a gravidez fosse levada adiante - uma das duas condições aceitas para o aborto legal.

Além da encefalocele (uma hérnia que afeta parte do encéfalo), o feto tem outros sérios problemas de formação. Exames detectaram que ele é portador de rins policísticos e polidactilia (presença de maior número de dedos do que o normal).

Monteiro Filho concedeu a autorização para a interrupção da gravidez, de 26 semanas, ao analisar um pedido da defensoria pública em favor da gestante R.R.S., de Porto Alegre. No passado, a grávida teve outro bebê com o mesmo problema, que morreu meia hora após o nascimento.

A defensora Cleomir de Oliveira Carrão argumentou que, além da existência das anomalias que impedem a vida da criança após o nascimento, a manutenção da gestação colocaria em risco a saúde da mãe. Antes do STJ, a gestante havia fracassado na tentativa de convencer a Justiça do Rio Grande do Sul a permitir a interrupção. ¿Casos como esse devem ser analisados dentro de suas circunstâncias para que não se banalize o aborto¿, diz Cleomir. Segundo a defensora, a gestante será informada hoje da decisão da Justiça e passará a receber orientação e assistência médica e psicológica para interromper a gravidez.

Em sua decisão, o presidente do STJ afirmou que ficaram comprovadas as anomalias do feto e o risco à vida da mãe se a gravidez fosse mantida. Ele observou que, segundo laudos médicos, havia chances de a gestante ter problemas como ruptura uterina e hemorragias.

O presidente do STJ ressaltou que a legislação brasileira, que é antiga, prevê a interrupção de gestações em duas situações: quando há risco de morte da gestante e quando a gravidez resulta de estupro. ¿Nota-se que, nesses dois casos, o legislador procurou proteger a saúde física e psicológica da mãe, em detrimento da vida plenamente viável e saudável do feto fora do útero¿, afirmou o presidente do STJ.

¿Certamente, não houve, àquela época, a preocupação de proteger juridicamente a interrupção de gravidez de feto que não terá sobrevivência extra-uterina, por incapacidade científica de identificação de patologias dessa natureza, durante a gestação¿, disse. ¿Diante de uma gestação de feto portador de anomalia incompatível com a vida extra-uterina, como no caso dos autos, a indução antecipada do parto não atinge o bem juridicamente tutelado, uma vez que a morte desse feto é inevitável, em decorrência da própria patologia¿, concluiu.

ESPERA

Há anos é esperada uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a interrupção de gestações de fetos com anomalias letais. Desde junho de 2004, tramita no STF uma ação na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) pede que seja reconhecido o direito à interrupção de gestações de fetos com anencefalia (sem cérebro) sem necessidade de prévia autorização judicial.

Uma decisão da mais alta Corte de Justiça do País garantindo esse direito beneficiaria as grávidas que enfrentam o problema. Atualmente, elas têm de pedir autorização ao Judiciário para antecipar os partos.

Em 2004, por três meses, as gestantes ficaram livres da obrigação. O relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, concedeu em julho daquele ano uma liminar permitindo a antecipação desses partos em todo o País. No entanto, em outubro do mesmo ano, o plenário do Supremo cassou a liminar. De lá para cá, não houve novo pronunciamento no tribunal.

COLABOROU ELDER OGLIARI