Título: Política de Defesa Nacional
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2007, Espaço Aberto, p. A2

O governo Lula atualizou, em meados de 2005, a Política de Defesa Nacional (PDN) do governo FHC, ao contrário do que dei a entender no artigo As Forças Armadas e o Estado brasileiro, publicado em 26 de junho.

Trata-se de uma revisão, mais clara e mais precisa, da PDN de 1966. A atual PDN reflete, do ponto de vista das três Forças Armadas (FAs), os novos desafios derivados da criação do Ministério da Defesa (1999) e, externamente, da ameaça representada pelo terrorismo internacional e das prioridades da política externa.

Da comparação entre os dois documentos ressalta a grande semelhança e a coincidência na estrutura e nos objetivos e diretrizes, apesar de o governo ter mudado e, sobretudo, ter sido modificada sua visão do mundo. Nada há de surpreendente nisso, visto que não se alteraram substancialmente as prioridades geopolíticas e geoestratégicas do Brasil no curto período de dez anos.

O documento de 2005 repete os mesmos capítulos do editado em 1996: Introdução, Ambiente Internacional, Objetivos da Defesa Nacional, Orientação Estratégica e Diretrizes. E foram acrescentados três novos capítulos: O Estado, a Segurança e a Defesa, O Ambiente Regional e o Entorno Estratégico e O Brasil

A Política de Defesa Nacional é definida de forma idêntica nos dois documentos: ¿Tema de interesse de todos os segmentos da sociedade brasileira, tem como premissas os fundamentos, objetivos e princípios dispostos na Constituição Federal e encontra-se em consonância com as orientações governamentais e a política externa do País, a qual se fundamenta na busca da solução pacífica de controvérsias e no fortalecimento da paz e da segurança internacionais.¿

O conceito de Defesa Nacional, contudo, está definido apenas no documento do atual governo como ¿o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas¿.

Há, no entanto, algumas diferenças entre os dois documentos, quer do ponto de vista militar, quer do ponto de vista político, que chamam a atenção. A questão do papel das Forças Armadas como garantidoras da lei e da ordem interna (artigo 124 da Constituição federal) tem uma modificação importante. No documento de 1996, entre os objetivos da PDN foi incluída referência à garantia do Estado de Direito e das instituições democráticas. Na versão atual, prevê-se o emprego das FAs contra ameaças internas apenas no tocante à preservação da soberania e da unidade nacionais, mas não para a garantia da lei e da ordem. Nesse particular, ela deve ocorrer de acordo com legislação específica.

Outra diferença importante reside no fato de que a PDN-1996 inclui, em suas diretrizes, referência à promoção da posição brasileira favorável ao desarmamento global, condicionado ao desmantelamento dos arsenais nucleares e de outras armas de destruição em massa em processo acordado multilateralmente. Já a PDN-2005 registra que o Brasil é signatário do Tratado de Não-Proliferação e destaca a necessidade do cumprimento de suas disposições que prevêem a negociação para a eliminação total das armas nucleares por parte das potências nucleares, ressalvando o uso da tecnologia nuclear como bem econômico para fins pacíficos.

O conceito de segurança nacional (a expressão não é utilizada), inexistente em 1996, é definido em 2005 como ¿a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais¿.

A PDN-2005 menciona a Amazônia e o Atlântico Sul como as áreas prioritárias para a Defesa Nacional e amplia o horizonte estratégico para incluir a parte oriental do Atlântico Sul e a África Ocidental e Meridional.

Em diferentes partes do documento se nota claramente a influência do Itamaraty. A prioridade da política externa à integração regional se reflete na afirmativa da sua importância para o País no sentido de aprofundar o processo de desenvolvimento integrado e harmônico da América do Sul, o que se estende à área de defesa e segurança regionais. Sendo um dos objetivos da PDN a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais, as FAs devem estar ajustadas à estatura político-estratégica do País, considerando-se, dentre outros fatores, a dimensão geográfica, a capacidade econômica e a população existente. Tendo como pano de fundo a crescente projeção externa do Brasil, as FAs têm como missão dissuadir ameaças à soberania e aos interesses nacionais, defender as fronteiras, o território, o espaço aéreo, o mar patrimonial e a plataforma continental. Além disso, devem projetar o poder e a influência do País no exterior.

Outra impressão digital deixada pelos atuais formuladores da política externa está na críptica afirmação de que, além dos países e blocos tradicionalmente aliados, o Brasil deverá buscar outras parcerias estratégicas, visando a ampliar as oportunidades de intercâmbio e a geração de confiança na área de defesa (redatada em 2005, em quem os formuladores de política estariam pensando: na China, na Rússia, na Índia?).

Nas Orientações Estratégicas, entre outras, estão incluídas duas referências de grande importância. ¿O Brasil precisa dispor de meios e capacidade de (...) manter a segurança de suas linhas de navegação aéreas¿ e ¿é prioritário assegurar a previsibilidade na alocação de recursos, em quantidade suficiente, para permitir o preparo adequado das Forças Armadas¿.

Dará o governo, e quando, fiel cumprimento a essas orientações tão fundamentais?

Rubens Barbosa, embaixador, fez mestrado na London School of Economics, em 1972, com tese sobre as relações entre civis e militares