Título: Um código de ética para juízes
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2007, Notas & Informações, p. A3

Diante das sucessivas denúncias de envolvimento de juízes, desembargadores e até ministros de tribunais superiores em esquemas de venda de sentença, tráfico de influência e favorecimentos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu criar um código de ética para a magistratura. A proposta foi feita pelo representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no órgão, Paulo Netto Lôbo, e a minuta do texto foi preparada pelos conselheiros Marcus Faver, Cláudio Godoy e Jirair Meguerian, todos pertencentes aos quadros do Judiciário.

Com trinta artigos, o anteprojeto do código de ética da magistratura ficou exposto para consulta pública no site do CNJ, entre 16 de abril e 16 de maio. E, após ter sido submetido à apreciação de entidades de juízes, promotores, advogados e sociedade civil, ele agora se encontra em fase de avaliação das críticas e de incorporação das sugestões encaminhadas por todos os setores interessados. Embora não haja prazo para a redação final, o Conselho, cuja composição acaba de ser renovada após dois anos de funcionamento, pretende divulgá-la entre agosto e setembro.

Ao justificar a decisão de criar um código de ética para os integrantes do Judiciário, o CNJ alegou que a Lei Orgânica da Magistratura, editada em 1979, só contém normas gerais de conduta dos juízes. Mesmo assim, o anteprojeto acabou ficando tão genérico que chega a primar pela tautologia.

Ele recomenda que juízes, desembargadores e ministros sejam imparciais em seus julgamentos, respeitem rigorosamente a legislação em vigor, mantenham eqüidistância das partes e tratem advogados, promotores e serventuários judiciais ¿com respeito e consideração¿. O texto também proíbe os magistrados de receber ¿dádivas, presentes ou benefícios¿, enfatiza a importância da integridade e honestidade profissional e propõe que os integrantes da corporação, na relação com a mídia, comportem-se ¿de maneira prudente e eqüitativa¿, para não prejudicar ¿direitos e interesses de partes e seus procuradores¿. A minuta também recomenda aos juízes que se mantenham atualizados, principalmente em matéria jurídica, que fundamentem as sentenças com argumentos claros e transparentes, que se esforcem para assegurar a preservação de sigilo e que não comentem, na vida pública ou privada, dados ou fatos pessoais extraídos dos processos sob sua responsabilidade. Por fim, o artigo 30 da minuta dispõe que os magistrados que infringirem essas normas éticas serão responsabilizados disciplinarmente na forma da Lei Orgânica da Magistratura.

Na realidade, esses dispositivos são tão óbvios que o código de ética da magistratura poderia ser resumido numa única recomendação - a de que todo juiz deve ser competente, íntegro e honesto. Essa recomendação, aliás, já é aplicável há muito tempo no âmbito do poder público e, desde a primeira Constituição republicana, a de 1891, constitui um dos mais tradicionais princípios básicos em matéria de direito administrativo.

Apesar disso, a iniciativa do CNJ vem enfrentando forte resistência das entidades de classe que representam os interesses dos juízes, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Juízes para a Democracia (AJD). Algumas dessas entidades contestam a competência do CNJ para editar o código de ética, alegando que o Congresso tem a prerrogativa exclusiva de aprovar leis para a corporação. Outras entidades afirmam que a excessiva generalidade do anteprojeto do código de ética propicia as mais variadas interpretações, permitindo às corregedorias dos tribunais, com isso, punir juízes de primeira instância considerados ¿independentes¿, com base em avaliações subjetivas.

Na realidade, o código de ética para a magistratura, em princípio, é uma iniciativa supérflua, pois os dispositivos por ele previstos já constam do artigo 37 da Constituição, que obriga todos os Poderes a obedecer os princípios da legalidade e da moralidade. Se o CNJ julga necessário reafirmá-los, sob a forma de um código de ética, é porque constata que muitos juízes se afastam desses princípios.