Título: Cristo maravilha
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2007, Espaço Aberto, p. A2

Particularmente em São Paulo, há quem diga que o Cristo Redentor, na sua estátua no Corcovado, no Rio, está há mais de 70 anos de braços abertos esperando para aplaudir quando os cariocas começarem a trabalhar. Mas - contesto mineiramente, em nome das vítimas dessa maledicência - a razão dos braços estendidos é outra. Dão equilíbrio à estátua, que viria abaixo se seus braços se movimentassem na direção do aplauso.

De qualquer forma, sem perder esse equilíbrio o Cristo deveria agora erguer seus polegares e dar esse sinal positivo de sua satisfação com o trabalho dos cariocas. Ajudados por outros brasileiros, é incontestável que trabalharam muito e eficazmente para incluir o Cristo entre as sete novas maravilhas do mundo. De uns três meses para cá houve um bombardeio de mensagens na internet a pedir votos, ao lado de outras formas de angariá-los, inclusive campanhas publicitárias de grandes empresas.

Instado por uma economista carioca, tive o prazer de votar no Cristo Redentor e de vê-lo eleito maravilha. Estamos acostumados a votar em muitos demônios disfarçados de santos, que passam seus mandatos a construir ou a comprar maravilhas para si mesmos, como no ramo pecuário, e a infernizar a vida dos brasileiros, até mesmo levando seu dinheiro.

Em retrospecto, deve-se também elogiar a idéia da construção do monumento lá no passado, num projeto que, como os da torre Eiffel e da Muralha da China, provavelmente não passaria pelo crivo de economistas em suas análises de custos e benefícios, que costumam limitar estes últimos. Ademais, hoje o projeto provavelmente seria bloqueado pelo Ibama, juntamente com outros executados no Rio, como o Aterro do Flamengo e a duplicação da Avenida Atlântica.

Aliás, o Ibama hoje cuida do Parque Nacional do Corcovado e o secretário de Turismo do Rio afirmou a este jornal que esse cuidado é mal feito. O órgão quer também retomar a cobrança de pedágio para visitar o Cristo, dificultando o acesso da população local e de turistas. E mais: na contramão do esforço carioca, um movimento grevista no Ibama teve o mau gosto e o desrespeito de contratar alpinistas para poluir visualmente o Cristo, colocando uma faixa com o nome desse órgão no seu peito.

Quem perdeu na votação começa a contestar a legitimidade da competição e a ignorar ou a minimizar seu significado, em particular os franceses e os americanos. Um jornal espanhol (El País) se contradisse, pois, após criticar o resultado e os detalhes da cerimônia de outorga da láurea, reconheceu que nem a ajuda do rei Juan Carlos e do primeiro-ministro Zapatero conseguiu somar votos suficientes para o candidato do país, o Palácio Alhambra, em Granada.

Na internet já vi até brasileiros desprezarem o resultado, alegando, entre outras coisas, que será usado politicamente, com Lula acordando agora para essa possibilidade e pegando, atrasado, o trenzinho que leva ao Corcovado. Vi também defendida a idéia de que a escolha deveria ter sido feita por um painel de especialistas, desprezando essa votação via internet e telefonemas e presumindo que as escolhas desse painel não seriam objeto de controvérsias. Isso ao lado de uma bobagem, a de que as pirâmides do Egito não figuraram entre os vencedores, ignorando que o concurso só tratou das novas maravilhas, sem desprezar a lista das sete antigas, que inclui essas pirâmides.

Há, contudo, ponderações pertinentes quanto ao lado comercial dos organizadores. Seu portal (www.new7wonders.com) oferece desde sacolas e camisetas até pacotes de viagem. Espero que a controvérsia em torno do assunto esclareça se houve taxa de inscrição e se serão pagos direitos de uso da marca que dá nome a esse portal.

Como dizem os políticos, estamos diante de um fato novo, que terá seus desdobramentos. Para o Rio e para o Brasil o que interessa é saber se, independentemente dessa celeuma, vai pegar a fama do Cristo como uma das novas maravilhas, melhorando a estima da cidade e do País. E, no plano econômico, se o fluxo de turistas vai aumentar sensivelmente por conta da novidade. Já circulam estimativas oficiais de que como resultado desse fluxo ampliado serão criados mais 250 mil empregos e entrarão mais US$ 271 milhões por ano. A euforia com o título deve responder por números tão precisos, pois a ciência das previsões não garante isso. Ao contrário, assegura que a probabilidade de esses números se revelarem exatamente verdadeiros é praticamente nula.

Importa também, e muito, que no processo tenha vindo outra maravilha, liderada pelos cariocas. Foi a decisão de competir, seguida pela arregimentação de votos, mediante envolvimento de vários parceiros e com utilização dessa maravilha da modernidade, a disseminação dos telefones e da internet.

Com os Jogos Pan-Americanos, os cariocas terão mais a comemorar se a organização não melar na etapa de realização, e se o evento sair ileso do ponto de vista da segurança de seus participantes, inclusive dos torcedores. Se as estimativas dos novos empregos e do turismo adicional que virão com o Cristo maravilha se revelarem tão aquém da realidade como as dos custos dos jogos, ele também será redentor da economia da cidade.

Será uma pena, contudo, se o afloramento desse talento carioca de arregimentar apoios e verbas não se manifestar também em esforços voltados para outros problemas da cidade, em particular para o uso de drogas, de que depende o seu tráfico, e a violência, que desafia explicações racionais. Se esses esforços viessem e fossem bem-sucedidos, aí o seu exemplo seria edificante também para outras regiões do País. Elas não têm um Cristo Redentor como esse, mas ostentam os mesmos problemas que ele contempla do alto do Corcovado.