Título: Os abrigos permanentes
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2007, Notas & Informações, p. A3

A promessa da Prefeitura aos flagelados pelas enchentes e incêndios que atingem as favelas e áreas de risco da capital é sempre a mesma: a permanência nos chamados abrigos ¿provisórios¿ será curta - não mais de três meses -, as famílias receberão assistência social e, por meio da rápida inclusão nos programas habitacionais municipais, receberão nova casa nos conjuntos habitacionais populares. Centenas de pessoas que acreditaram nessa promessa estão, há anos, esperando pela transferência para a moradia definitiva.

Muitos já viram os filhos crescerem e os netos chegarem. Para acompanhar o aumento da família, construíram novos cômodos, transformando os barracos provisórios em sobrados inseguros. Há casas que, na impossibilidade de crescer para os lados ou para cima, ganharam até cômodos subterrâneos. Alguns ocupantes passaram a alugar quartos para ajudar na renda. Outros, alugaram a casa toda e, com o dinheiro, foram buscar uma vida melhor como inquilinos de outros imóveis.

Na quase totalidade dos casos em que favelas foram destruídas pelo fogo ou pelas águas, a Prefeitura apenas ergueu novos barracos de madeira na mesma área, sob a justificativa de que seria uma situação provisória. Assim criou condições para o surgimento de novas e populosas favelas. O que antes era abrigo provisório, hoje é moradia, negociada a preços que variam entre R$ 5 mil a R$ 18 mil. Cada quarto é alugado a R$ 200,00.

A Secretaria Municipal de Habitação não tem o controle da situação. Não sabe sequer quantos abrigos existem - estima que são 13 - e quantas pessoas vivem neles. O alojamento do Jardim Imbé, embrião de uma grande concentração de submoradias, nem faz parte do cadastro da Secretaria. Na ausência do poder público, essas áreas são controladas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) que as utiliza como esconderijo de bandidos e pontos-de-venda de drogas. Em troca, ¿protege¿ as comunidades. Em reportagem publicada pelo Jornal da Tarde, moradores de 12 alojamentos construídos há 14 anos em Itaquera informaram que seus problemas são resolvidos pelos ¿meninos do PCC¿. Até o conserto das redes de esgoto rompidas foi feito recentemente por operários contratados pela facção. A Sabesp foi chamada, explicam os moradores, mas não apareceu.

Talvez a empresa não tenha atendido ao chamado pelo mesmo motivo que mantém afastadas as equipes da Secretaria da Habitação, que deveriam fazer inspeções mensais nas áreas. Em resposta ao Jornal da Tarde, a Secretaria admite ter deixado de realizar as visitas de assistência porque aqueles locais são agora imensas e perigosas favelas.

Isso só ocorreu porque a própria Prefeitura ergueu os primeiros barracos, transferiu para lá os flagelados e desapareceu, como se tivesse cumprido sua obrigação. Os abrigos ¿provisórios¿, sem infra-estrutura e sem qualquer tipo de assistência, transformaram-se em favelas controladas pelo crime.

A solução para esse novo problema será muito mais difícil e cara. Afinal, será preciso reurbanizar essas favelas, legalizando a situação de cada morador. Os investimentos em infra-estrutura, segurança pública e serviços públicos ultrapassarão em muito aqueles que teriam sido necessários para equipar os conjuntos habitacionais projetados para os flagelados.

Como bem sugere a professora Maria Lúcia Refinetti Martins, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a Prefeitura deveria usar o Programa Bolsa-Aluguel para amenizar os efeitos das tragédias urbanas. Por esse sistema, a administração municipal permite que a família flagelada escolha onde quer viver. O Programa Bolsa-Aluguel foi criado em São Paulo para atender, prioritariamente, as famílias com renda de um a seis salários mínimos, e os moradores de áreas destinadas aos programas da política municipal de habitação. Consiste em subsídio mensal de até R$ 300,00 para pagamento de aluguel fixado em contrato de locação, com prazo de 30 meses, firmado entre beneficiários e locadores.

Com recursos cada vez mais limitados, a Prefeitura fez da solução provisória um problema permanente.