Título: No bloco da solidão
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2007, Nacional, p. A6

Extrovertido na hora de dividir com o presidente do Senado os benefícios resultantes do prestígio do cargo, o PMDB é discreto quando se trata de compartilhar com o senador Renan Calheiros as agruras da crise.

Se a renúncia não faz parte do dicionário do senador, conforme aviso dado por ele aos navegantes, a socialização dos prejuízos tampouco integra o repertório de ações do PMDB no episódio ora em cartaz.

Firmando a vista, percebe-se o recuo gradativo dos pemedebistas na defesa do senador. Aguçando os ouvidos, nota-se a ausência do som da voz do presidente do partido, deputado Michel Temer, desde o gesto formal de solidariedade no plenário do Senado quando da apresentação da primeira defesa de Calheiros, lá se vai mais de mês.

Mas a despeito do afastamento, ainda permeia o comando pemedebista a convicção de que o senador pode salvar o mandato em votação secreta no plenário - principalmente em virtude da presença de um grande número de senadores cujas sobrevivências políticas independem da opinião do público.

Não obstante, prepondera a avaliação de que Renan Calheiros está politicamente liquidado.

Sua antiga força se esvaiu e, com ela, os planos de vir a integrar como vice uma chapa presidencial governista em 2010 ou mesmo disputar, em condições ótimas de se eleger, o governo de Alagoas.

Frio e ousado em público, na intimidade dos companheiros que lhe emprestam amparo longe das câmeras e dos microfones o presidente do Senado tem mostrado consciência da gravidade da situação.

Por isso mesmo insiste em permanecer na presidência do Senado: não tem mais nada a perder a não ser o mandato pelo qual lutará. Mas, visão dos correligionários, terá de fazê-lo sozinho.

O partido se constrange, mas faz esforço para não se contaminar, aliviado pela interpretação geral de que quem ¿sangra¿ é o Senado, não o PMDB. O empenho principal é para evitar que a crise - chamada de ¿individual¿ - do senador prejudique as relações com o governo Lula.

Mais ou menos como ocorreu com Jader Barbalho em 2001. Ali, o partido era institucionalmente aliado de Fernando Henrique Cardoso e assim pretendia continuar.

Em determinado momento, parou de escutar os apelos do então também presidente do Senado por pressões para que o governo o defendesse, foi se afastando e, da mesma forma como se alega agora em relação a Calheiros, argumentando que Barbalho não ouvia ninguém e, portanto, ninguém se sentia sócio de suas dificuldades.

Internamente, esta é a semelhança básica que o PMDB vê entre os dois casos: ambos tomaram decisões independentes do partido, não consultaram sobre a estratégia de defesa, não informaram sobre o potencial de complicação das denúncias e, desse modo, deram o pretexto para o distanciamento quando as coisas foram se complicando.

O governo e o partido não ajudam a empurrar, mas não seguram Renan Calheiros. A neutralidade, porém, atua contra Renan Calheiros. Mas é tudo o que o PMDB quer agora: ficar de mãos lavadas e atadas, aguardando o desfecho sem movimentos bruscos que possam prejudicar as já suficientemente complicadas negociações para as nomeações dos cargos de segundo escalão.

Não se discute abertamente a possibilidade de Renan Calheiros precisar ser substituído mediante novas eleições para a presidência do Senado. Mas, se a fila porventura andar, o PMDB já tem candidato: o senador Gerson Camata, cujas credenciais são apresentadas por um prócer do partido: ¿É incolor e inodoro.¿

Na atual conjuntura, já é um avanço.

Autopreservação

Ao aconselhar Renan Calheiros a não presidir a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, o governo estava preocupado mesmo era com a enorme chance de sobrar para o Planalto no ¿massacre verbal¿ prometido pelos deputados no protesto contra a presença do presidente do Senado no comando da sessão.

O ¿conselho¿ foi aceito, não por uma questão de bom senso ou convencimento natural. Foi, antes, imposto pelas evidências: Calheiros não poderia contar com reação alguma de defesa. Nem da base governista nem do PMDB.

Ângulo de visão

O relatório sobre governança divulgado pelo Banco Mundial que mostra o Brasil em trajetória descendente no controle de corrupção, eficácia governamental e respeito às leis merece análise detida, a ser feita em breve.

Mas urge registrar a definição de governabilidade adotada pelo Bird: ¿O conjunto de tradições e instituições por meio das quais se exerce a autoridade num país em prol do bem comum.¿ Simples assim.

Entre nós governabilidade é o nome pelo qual ficou conhecido o ajuntamento de partidos que apóia o governo em troca do exercício de funções públicas para obtenção de benefícios privados, aí incluídos os partidários.

Não por coincidência ¿o abuso da função pública em benefício privado¿ é justamente a definição dada pelo Banco Mundial à prática da corrupção.