Título: O desafio do crescimento
Autor: Bittencourt, Carlos M. e Sá, Luciana C. Marques de
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/07/2007, Economia, p. B2

Muito se tem publicado sobre o fato de o Brasil não crescer de forma vigorosa e sustentada há mais de 20 anos. Mesmo após a revisão metodológica do PIB, que evidencia um crescimento mais intenso do publicado anteriormente, este ainda se encontra abaixo da média mundial. O tema inspira diversos diagnósticos - juros altos, câmbio valorizado, pesada carga tributária, precária infra-estrutura, entre outros. Apesar desses fatores mitigarem de fato o potencial econômico brasileiro, na verdade são apenas sintomas do verdadeiro mal que os provoca, o desajuste fiscal. A raiz do argumento se encontra na restrição orçamentária do governo. Como em toda contabilidade, ao final, as despesas têm de se igualar às receitas. Todo governo, em qualquer tempo ou espaço, deve respeitar esse princípio contábil de equivalência. Assim, os gastos primários somados ao serviço da dívida devem ser iguais à receita do financiamento público. Essa receita se compõe de coleta de tributos, de variação da dívida pública e de expansão da base monetária. Com a implementação do Plano Real, em 1994, e o controle da inflação brasileira foi reduzido o financiamento via emissão de moeda, que implicava perda do seu poder aquisitivo. Desse modo, o Estado brasileiro recorreu ao endividamento público maior e ao aumento da carga tributária para sustentar crescentes gastos correntes, com efeitos danosos para o crescimento. Esse fato foi agravado pela redução, ao mesmo tempo, dos investimentos públicos, cujos impactos são visíveis na infra-estrutura do País. Os aumentos nas despesas federais não revertem em investimentos públicos em infra-estrutura para ampliar a produção. Superávits primários baseados em aumentos desenfreados da carga tributária não solucionam o problema fiscal. Nos últimos dez anos, a carga tributária das três esferas de governo, medida sob a nova metodologia do PIB, aumentou mais de 7 pontos porcentuais, chegando a níveis sufocantes para a atividade produtiva, em torno de 35%. É inquestionável que o aumento da carga tributária - sem contrapartida de melhoria do serviço público - reduz os incentivos ao investimento privado, promotor do crescimento econômico. Além de fomentar a sonegação e a informalidade da atividade econômica, com reflexos perniciosos sobre o sistema de seguridade social, a alta carga tributária torna o espírito empreendedor um mero ímpeto aventureiro. A dívida pública é financiada em operações abertas de livre mercado. Seu enorme tamanho - atualmente em torno de 45% do PIB, em contraposição aos 30% em 1994 - consome grande parte do crédito que serviria para financiar a iniciativa privada. Além disso, incertezas sobre a sustentabilidade do gerenciamento da dívida pública levam os agentes econômicos a exigir um maior retorno sobre os títulos públicos nacionais (traduzido no prêmio de risco da dívida brasileira), com reflexo direto sobre a taxa básica de juros da economia. As altas taxas de juros domésticos, além do efeito negativo sobre novos investimentos, contribuem para a apreciação cambial, que prejudica parte do setor produtivo nacional e aumenta o custo fiscal das reservas internacionais. O sistema cambial flutuante e a abertura dos mercados de bens e de capital são responsáveis pela significativa melhora nos fundamentos da economia brasileira. No entanto, o sucesso desse modelo depende do ajuste fiscal, senão toda e qualquer ação para conter a atual valorização da moeda nacional será inócua. Sem redução da taxa de crescimento dos gastos públicos não será possível diminuir ao mesmo tempo a carga tributária e o endividamento. Só o ajuste fiscal responsável, com desdobramentos positivos sobre a carga tributária e endividamento público, será capaz de lançar as bases de um desenvolvimento sustentado. Enquanto a sociedade brasileira não priorizar o debate sobre as contas públicas, os sintomas, muitas vezes apontados como a própria doença, continuarão a minar o crescimento nacional. Juros altos, câmbio valorizado, pesada carga tributária e precária infra-estrutura são sinais da doença chamada desajuste fiscal. Atacá-los sem eliminar o próprio mal que os concebe possui a mesma lógica de matar a sede com água do mar: alívio passageiro seguido de angústia maior.

*Carlos Mariani Bittencourt é vice-presidente do Sistema Firjan e Luciana Costa Marques de Sá é diretora de Desenvolvimento Econômico do Sistema Firjan