Título: EUA vetaram crédito militar em 75
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2007, Nacional, p. A14

Repressão à ditadura repercutiu no Congresso norte-americano e enterrou aumento de repasses ao Brasil

Os episódios de tortura e violação dos direitos humanos que caracterizaram o regime militar contribuíram para que os Estados Unidos desistissem de colocar em prática um plano para aumentar a liberação de crédito de assistência militar ao Brasil nos anos 70. Na época, os EUA avaliavam que a influência financeira sobre o Exército brasileiro seria a saída ideal para assegurar sua influência no País e na América Latina. Ainda assim, o governo optou por segurar o dinheiro, diante das pressões que se manifestavam no Congresso norte-americano em decorrência da repressão da ditadura brasileira.

A informação consta em telegramas trocados pelo Departamento de Estado dos EUA e sua embaixada em Brasília em 1975, mesma época em que vieram à tona casos como o do estudante e militante do MR-8 Stuart Angel - filho da estilista Zuzu Angel - e do jornalista Vladimir Herzog, ambos mortos nos porões da ditadura. Um desses documentos secretos - hoje liberados para consulta pública - contém uma proposta da embaixada americana para ampliar os chamados créditos FMS (sigla em inglês equivalente a Vendas Militares Estrangeiras) para US$ 95 milhões em 1976, valor que seria elevado e mantido em US$ 100 milhões nos anos seguintes, até 1981.

O telegrama é assinado pelo então embaixador John Hugh Crimmins e endereçado ao Departamento de Estado, liderado por Henry Kissinger. Nem todas as negociações passaram pelo sistema de comunicação, mas mensagens datadas de julho do mesmo ano indicam que a decisão de não aumentar o crédito foi pelo menos em parte motivada pela questão dos direitos humanos.

'A embaixada entende perfeitamente a dificuldade que o departamento enfrenta em sustentar um aumento acentuado dos níveis de crédito FMS para o Brasil num momento em que o interesse congressional é dirigido à observação dos direitos humanos no Brasil', diz o texto. A embaixada, diante desse cenário, concordou que o ideal era estabelecer um crédito de US$ 75 milhões para o ano de 1976 e de US$ 90 milhões no ano seguinte. Uma mensagem de dezembro reduz o valor de 1976 para US$ 60 milhões.

INTERESSE

As mensagens deixam claro que a motivação dos EUA não era conter violações dos direitos humanos, mas sim minimizar a pressão de um Congresso democrata sobre o governo republicano do presidente Gerald Ford. Na avaliação do historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, o desgaste político resultante de um aumento dos créditos tendia inclusive a gerar poucos frutos se considerado o distanciamento em relação aos EUA no governo do general Ernesto Geisel.

'Os EUA percebiam que seu poder de influência no governo brasileiro, naquele momento, era nulo. Geisel nunca teve simpatia plena pelos EUA', afirma o historiador, citando como exemplo o acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, firmado à revelia dos americanos.

A contenção de divergências estava até mesmo na origem da proposta de Crimmins. No telegrama, o embaixador insistia repetidamente na necessidade de assegurar que o regime militar estivesse alinhado à política dos EUA. 'A meta primordial da política dos EUA em relação ao Brasil deve ser a manutenção da orientação norte-americana das Forças Armadas.'

Na época, o governo norte-americano trabalhava com a tese de que o Brasil caminhava para se tornar uma 'potência mundial' e, no decorrer desse processo, demonstraria uma resistência cada vez maior à influência externa. Além disso, fica clara nos documentos a intenção de impedir que outros países exercessem algum poder sobre o Brasil. 'A alocação de recursos de crédito FMS no nível recomendado acima durante o período de planejamento pode nos assegurar objetivos políticos, comerciais e de segurança no Brasil', diz o texto. 'Não se trata do quanto o GOB (sigla usada para citar o governo do Brasil) pode pagar, mas sim de quanto competidores dos EUA oferecerão ao GOB.'

'É bom lembrar que estamos no ambiente da Guerra Fria', ressalta Villa. 'Tudo isso tem que ser entendido no contexto da disputa entre EUA e União Soviética, duas potências lutando pela hegemonia mundial.'