Título: Briga entre Brasil e Argentina preocupava
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2007, Nacional, p. A14

Governo dos EUA apontava risco de conflito envolvendo os dois países

Mais de dez anos antes de o Brasil analisar as possibilidades de uma guerra com a Argentina, no final dos anos 80, os Estados Unidos apontavam para o risco de uma corrida armamentista entre os dois países em busca do domínio da tecnologia nuclear. O temor de que a rivalidade caminhasse para um conflito foi um dos motivos que incentivaram a embaixada norte-americana a destacar, em 1975, a importância de o governo argentino ser ocupado por uma liderança 'responsável' e 'amigável' em relação aos EUA, em substituição à já enfraquecida presidente Isabelita Perón.

A preocupação com a disputa Brasil-Argentina consta em telegramas trocados entre o Departamento de Estado norte-americano e suas embaixadas, abertos recentemente por meio do Freedom of Information Act, lei norte-americana de liberdade da informação. Apenas alguns meses antes de Isabelita ser deposta por uma junta militar, em 1976, a embaixada em Buenos Aires encaminhou uma mensagem que tratava do assunto ao então secretário de Estado, Henry Kissinger.

'Uma Argentina desorientada, sob uma liderança irresponsável e hostil, por outro lado, poderia criar sérios problemas à nossa posição hemisférica tanto na OEA (Organização dos Estados Americanos) como em outros lugares. Por exemplo, a Argentina está à frente de qualquer outro Estado da América Latina no desenvolvimento nuclear e poderia construir um dispositivo nuclear se o GOA (sigla usada em referência ao governo da Argentina) assim quiser', diz o texto, assinado pelo então embaixador americano em Buenos Aires, Robert Hill.

'Dada a tradicional e às vezes emocional rivalidade com o Brasil, que também poderia construir uma bomba, estão colocados os ingredientes para uma perigosa corrida armamentista - que tende a ser ativada se algum dos dois lados se comportar de forma irresponsável', prossegue o documento. 'Uma Argentina estável, liderada por um governo responsável, amigável, poderia exercer um papel importante em nos ajudar a fabricar uma ordem mundial mais harmoniosa, a qual definimos como nosso interesse', insiste o embaixador em outro trecho.

Os telegramas também mostram que o governo norte-americano acompanhou com cautela os avanços do Brasil no desenvolvimento nuclear. Dezenas de mensagens foram trocadas na época em que o País se preparava para assinar o acordo de cooperação nessa área com a Alemanha, em 1975.

CIA

A questão nuclear e a rivalidade entre os dois países também são citadas em outro documento, dessa vez elaborado pela Central Intelligence Agency (CIA), agência de inteligência norte-americana. Trata-se de um relatório secreto de 15 páginas produzido em julho daquele mesmo ano, que também foi liberado para consulta. Nesse caso, a agência apontava que o Brasil encarava como uma 'infração inaceitável de seu direito de soberania' as constantes pressões dos EUA pela assinatura do Acordo de Não-Proliferação Nuclear.

'A intransigência do Brasil nessa questão reflete não apenas a apreensão em relação à liderança argentina na tecnologia nuclear mas, fundamentalmente, a sua imagem própria como uma potência emergente mundial', diz o documento, estimando que o Brasil poderia desenvolver uma bomba nuclear até o início dos anos 80, caso o governo optasse por esse caminho. 'É quase certo que os brasileiros não tomaram a decisão de construir armas nucleares, mas o governo não quer descartar essa opção.'

No mesmo relatório, a CIA destaca a concentração de poder em mãos dos militares e diz que as oposições à ditadura se limitam a estudantes, setores da Igreja, intelectuais, líderes trabalhistas e alguns políticos, além de extremistas. 'Mas nenhum desses - juntos ou sozinhos - representa uma ameaça séria ao regime.'