Título: Honrado em sua casa e trapaceiro na alheia
Autor: Montaner, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2007, Economia, p. B2

Há uma década, o analista argentino Gerardo Bongiovanni previu que a presença das multinacionais na América Latina reduziria substancialmente os níveis de corrupção na região. A hipótese parecia razoável. Se essas empresas vinham de sociedades em que a norma era o comportamento adequado à lei, uma vez instaladas no continente elas contribuiriam com seu exemplo para a limpeza da vida pública dessas nações, atuando como focos de irradiação do que hoje se conhece como¿responsabilidade corporativa¿.

Bongiovanni, com certa melancolia, acaba de retificar sua opinião: ocorreu o contrário. As multinacionais adaptaram-se aos corrompidos hábitos latino-americanos e, com poucas exceções, pagam subornos e violam as regras, escondendo-se atrás do argumento de que essa é a única forma de fazer negócios na região. Ou pagam ou vão embora, pois só mediante suborno de funcionários desonestos elas podem vencer licitações públicas. Naturalmente, nem todos os países operam com o mesmo nível de corrupção. De acordo com os informes da Transparência Internacional, no Chile, no Uruguai e na Costa Rica os hábitos de governo são muito mais saudáveis.

A corrupção causa duplo dano. Eleva os custos de transação - se uma empresa internacional de comunicações ou de energia reparte milhões de dólares entre os funcionários e políticos que lhe garantiram uma posição vantajosa no mercado local, sem dúvida alguma esses custos serão agregados às tarifas dos consumidores finais; e não custa ao empresário, não sai de seu bolso - é abonada pelos indefesos consumidores, diretamente ou por meio dos impostos.

Mas o dano intangível é o mais perigoso. Como sentir que o âmbito público nos pertence e é usado em nosso benefício, se ele só serve para enriquecer a classe dirigente? É por essa brecha moral que entram os Chávez e Evos deste mundo. É por isso que os golpes militares ou as ações violentas dos insurgentes costumam ter certo apoio popular na América Latina: não são vistos como agressões ao Estado de Direito, mas, sim, como agressões à injustiça e ao peculato. É por isso, também, que a corrupção das multinacionais não é só um delito econômico, mas um grave atentado à democracia.

Como é possível aliviar esse problema?

Evidentemente, com sanções exemplares. Se a União Européia impôs à americana Microsoft, à alemã Siemens ou à espanhola Telefónica multas de centenas de milhões de dólares por obstruírem a concorrência, quanto as multinacionais deveriam pagar por práticas ainda piores no continente latino-americano? Não é muito mais grave comprar presidentes, ministros e parlamentares do que tentar manipular o mercado?

O argumento de que esta é a única forma de fazer negócios no Terceiro Mundo não é válido. Se não estamos dispostos a aceitar que um médico engane seus pacientes ou que um advogado minta aos tribunais, não podemos conceder uma patente de corso aos empresários para que eles se ponham a fazer trapaças no exterior. Se violar a lei é o único caminho disponível, é preferível não percorrê-lo e concentrar as atividades empresariais onde se joga limpo.

Não é aceitável ser uma pessoa honrada na própria casa e trapaceira na casa alheia.