Título: Os dias de crédito farto podem estar chegando ao fim
Autor: Trumbull, Mark
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2007, Economia, p. B12
Crise do mercado imobiliário dos EUA está levando, ainda que lentamente, a uma reavaliação dos riscos no mundo
Em tempos comuns, não há nada de muito catastrófico no colapso de um ou dois fundos hedge. Tais ocorrências são difíceis para o relativamente pequeno grupo de investidores envolvidos, mas não ameaçam a amplitude da disponibilidade de dinheiro no mercado. O problema hoje é que ninguém pode dizer se estes são tempos financeiros comuns.
Na realidade, no momento em que alguns fundos de investimento estremecem com os prejuízos nos empréstimos hipotecários nos Estados Unidos, o fato sobre o qual os analistas conseguem concordar é que os mercados financeiros estão operando hoje em águas desconhecidas. O crescimento dos valores mobiliários 'derivativos' - investimentos complexos derivados de outros ativos tais como empréstimos hipotecários - significa que até os especialistas não conseguem quantificar os riscos ou dizer onde eles estão.
Isso tudo não quer dizer uma quebra de crédito total, na qual existe a probabilidade de anos de crédito fácil darem lugar a uma seca de empréstimos e investimentos. Mas a ameaça existe. 'Obviamente, há um risco de que um clima financeiro mais apertado poderá se espalhar além da arena de empréstimos hipotecários de baixa qualidade', diz Nigel Gault, economista que trabalha para a Global Insight, uma firma de previsão econômica. 'Isso se dá por causa da forma como os mercados financeiros operam agora. Os riscos estão mais amplamente disseminados por todo o sistema financeiro do que antes.'
Gault prevê que o que está acontecendo agora é uma volta ao normal, depois de um período de dinheiro fácil, no qual muitos financiadores pareceram complacentes demais. 'É um processo necessário. O risco está sendo gravemente subestimado', acrescentou.
O processo pode ser estressante. Semana passada, a Standard & Poor's e a Moody's, duas das principais agências de classificação de crédito, disseram que estão reavaliando uma vasta quantidade de dívidas hipotecárias residenciais.
Isso poderá ser um presságio do rebaixamento de classificações e, em última análise, de prejuízo para as empresas e investidores que detêm esses empréstimos. O valor em declínio dos empréstimos de baixa qualidade já está causando prejuízos para os investidores, entre eles muitos fundos hedge.
Recentemente, o Bear Stearns resgatou US$ 3,2 bilhões de um fundo hedge de sua propriedade no qual os derivativos hipotecários - investimentos derivados de empréstimos para aquisição de moradias - apodreceram.
Os bancos, pressionados pelos agora precavidos investidores em derivativos hipotecários, vêm tornando mais rigorosos seus padrões de empréstimos para mutuários mais arriscados. Todas essas ocorrências têm por foco o mercado imobiliário e particularmente a dívida dos mutuários cuja qualidade de crédito é menos que 'prime' (a nata).
Alguns observadores se preocupam que isso possa indicar a vinda de coisas piores. A disponibilidade de empréstimos para aquisição de moradia tem sido um alicerce vital na expansão econômica dos Estados Unidos desde 2001. Mais amplamente, essa tem sido uma expansão global construída com base no crédito - desde aquisições alavancadas ao empréstimo comum das empresas.
Todos esses mercados de dívida estão de certa forma interconectados por intermédio de grandes investidores e firmas de investimento. Portanto, o perigo é que problemas em um setor possam despertar dúvidas sobre a estabilidade de outros.
'A crise do empréstimo de baixa qualidade não é um evento isolado. Não vai ficar confinada a um tubo de ensaio', escreveu William Gross, gerente da PIMCO, uma das maiores administradoras de recursos do mundo. 'A disposição para estender o crédito para outras áreas deve sentir os gélidos ventos do Ártico de uma constrição na liquidez.' Ainda assim, Gross e outros analistas se abstiveram de prever uma crise em escala plena.
As notícias vindas das agências de classificação de crédito abalaram os operadores no início da semana passada, mas os mercados apresentaram grande capacidade de recuperação nos dias subseqüentes.
Numa verdadeira quebra de crédito, até os tomadores de empréstimo com finanças sólidas encontram dificuldades em conseguir crédito - o crescimento econômico sofre como resultado. Isso só acontece raramente porque, desde a Grande Depressão, os diretores dos bancos centrais têm se mostrado prontos a abrir as torneiras monetárias quando justificado por uma crise. Por exemplo, em 1998, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) correu em socorro quando o colapso do fundo Long Term Capital Management abalou os mercados financeiros mundiais. Então, em 2001, depois do estouro da bolha de ações das empresas pontocom, o Fed manteve a política monetária menos apertada por vários anos.
'As pessoas continuam dizendo que ainda há muita liquidez por aí', diz Brian Horrigan, um economista da Loomis Sayles de Boston, uma firma de investimento que controla vários fundos mútuos de títulos. Mas, desde 2004, os Estados Unidos e outros países têm visto os bancos centrais apertarem um pouco a política monetária (embora, para alguns, ainda não seja suficiente). 'Felizmente, estamos no rumo de uma avaliação de risco mais realista e mais normal', diz Gault.