Título: Déficit previsível
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2007, Notas & Informações, p. A3

Pela primeira vez nesta década, a balança comercial do Brasil com a China deverá fechar o ano com saldo negativo. O resultado era mais do que esperado. A China, mesmo importando do resto do mundo grandes quantidades de matérias-primas, bens intermediários e produtos acabados, obtém enormes superávits na sua balança comercial. Sua agressiva política de exportações - baseada em baixo custo de mão-de-obra, notável capacidade de absorção de capitais e tecnologia, política cambial para favorecer seus produtos e interpretação às vezes maliciosa das regras do comércio internacional - lhe assegura fatias cada vez maiores do mercado mundial.

As exportações brasileiras para a China crescem, mas as da China para o Brasil crescem muito mais depressa. Depois de ter atingido o recorde de US$ 2,4 bilhões em 2003, o superávit brasileiro no comércio com a China vinha diminuindo rapidamente, tendo fechado 2006 com saldo positivo de apenas US$ 400 milhões. No período de 12 meses encerrado em maio, o resultado ainda era favorável ao Brasil - US$ 100 milhões -, mas o acumulado nos cinco primeiros meses do ano apresenta um déficit de US$ 410 milhões. A Fundação Centro de Estudos em Comércio Exterior (Funcex) projeta um déficit de cerca de US$ 1 bilhão em 2007, como mostrou reportagem publicada pelo Estado há dias.

O aumento das importações de produtos chineses não é um mal para o País. Ao contrário, como observou ao Estado o economista-chefe da Funcex, Fernando Ribeiro, para o consumidor brasileiro ¿é ótimo¿ ter acesso a produtos eletrônicos e outros itens a preço baixo. Produtos mais baratos ajudam a conter a inflação.

Mas o aumento do fluxo de entrada de certos tipos de produtos chineses assusta. Dados oficiais mostram que as importações de aparelhos eletromecânicos de uso doméstico aumentaram 98% nos cinco primeiros meses deste ano, na comparação com o mesmo período de 2006; as de máquinas automáticas para processamento de dados cresceram 78%; e as de motores geradores e transformadores, 67%. Já as exportações brasileiras para a China aumentaram 37%, crescimento maior do que o das exportações totais (21%), mas insuficiente para superar o aumento das importações de produtos chineses.

Pouquíssimos países têm conseguido acompanhar o ritmo de crescimento das exportações chinesas. O Brasil não é exceção. Alguns segmentos industriais se consideram ameaçados pela concorrência chinesa e atribuem suas dificuldades à valorização do real em relação ao dólar - e, também, à política cambial chinesa, que mantém a moeda local artificialmente desvalorizada em relação à moeda americana. Pedem, por isso, mudanças no regime cambial brasileiro.

Talvez isso resolvesse dificuldades imediatas de algumas empresas, mas, mais uma vez, esconderia os reais problemas da economia brasileira para enfrentar a concorrência chinesa e conquistar mercados, que se resumem nos elevados custos de produção. O excessivo - e mesmo assim crescente, como reconhece o próprio governo - peso dos impostos reduz a competitividade da economia brasileira. A legislação trabalhista antiquada é outro fator que onera demais as empresas. Quando se defrontam com competidores externos, as empresas brasileiras sentem quanto pesa a folha de pessoal em seus custos. A precariedade da infra-estrutura ligada ao setor exportador - rodovias, ferrovias, instalação e operação dos portos, entre outros itens - também encarece os nossos produtos.

A remoção desses obstáculos exige decisões firmes e, em certos casos, complicadas negociações, mas a complexidade dos problemas não justifica a inércia do governo, que está obrigado a fazer o possível para remover esse pesado ônus à economia brasileira.

Também onera a produção no Brasil o excesso de burocracia. Controles demais, desarticulação entre os órgãos públicos, exigências descabidas e lentidão no exame das demandas do setor privado desestimulam os investimentos, a produção, as exportações - e até as importações, como no caso de materiais e equipamentos científicos. Este é um problema que, se enfrentado com competência, produziria resultados notáveis no curto prazo. Mas também nesse caso tem sido limitada a ação do governo.