Título: Furto de R$ 230 vira novela sem fim
Autor: Nunomura, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2007, Nacional, p. A4

Ação envolveu ao menos 18 pessoas

Na manhã de 24 de fevereiro de 2006, Eliane da Guia Kasiulevicius selou seu destino ao sair de casa para arrumar dinheiro. Há dois dias não via o marido. Há mais dias ela e seus dois filhos só tinham água e açúcar. Imaginou que a mãe ajudaria. Não ajudou. Grávida de quatro meses, desesperou-se. À tarde, entrou numa filial das Lojas Pernambucanas em Guaianases, escondeu numa bolsa quatro moletons e três vestidos da marca Argonautus e saiu. Não sabia, mas estava sendo vigiada. Foi perseguida e presa em flagrante.

Aos seguranças da loja, policiais e delegados que a ouviram, Eliane disse que venderia as roupas para comprar comida e pediu perdão. Foi levada ao Dacar-4, em Pinheiros, onde dividiu cela com mulheres presas por tráfico de drogas e homicídios. Furtos como o dela viram pilhas de processos no Fórum Criminal da Barra Funda. Quem é pobre e não tem advogado depende de defensores públicos. Um deles conseguiu sua liberdade provisória após três dias de prisão.

Um mês depois, já com o marido de volta, foi intimada a comparecer ao fórum. Descobriu que talvez não precisaria retornar mais, que tudo se resolveria. Esses foram seus contatos com a Justiça. Ao menos, os que ela soube.

Pelo furto equivalente a R$ 230, a Justiça abriu contra a jovem de 25 anos o processo nº15.149-8, que já soma 92 páginas e mais dois apensos de 34 e 24 páginas. Exigiu o trabalho de dois delegados, dois médicos legistas, dois oficiais de Justiça, dois procuradores, dois juízes de 1ª instância, três desembargadores, três defensores e dois promotores públicos. Numa estimativa baseada no salário de cada um deles para cinco minutos de dedicação ao caso de Eliane, o custo processual já supera os R$ 370.

O juiz de 1ª instância acolheu a defesa de ¿crime impossível e de bagatela¿. A loja era vigiada e Eliane dificilmente escaparia, daí a teoria da impossibilidade do furto. E bagatela porque a soma das roupas era inferior a um salário mínimo. Mas o Ministério Público recorreu e a decisão inicial foi revista no Tribunal de Justiça. Ela terá de enfrentar nova audiência na Barra Funda em 25 de agosto. Sem dinheiro para comprar fralda, o que dirá contratar um advogado, corre o risco de perder a condição de ré primária. ¿Quero reparar meu erro, limpar meu nome, preciso trabalhar. Não estou vivendo, estou vegetando.¿

Nos Estados Unidos, Eliane teria outro tratamento. Em março, o rabino Henry Sobel foi flagrado por câmeras de segurança furtando gravatas numa loja de grife na Flórida (a teoria do ¿crime impossível¿). Preso, admitiu o erro e foi apenado pela Justiça. Terá de cumprir 100 horas de serviço comunitário no Brasil e passar por tratamento psicológico. Tudo decidido em dois meses.