Título: Despedida de ACM reúne 15 mil
Autor: Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2007, Nacional, p. A6

Senador baiano, que morreu na sexta, foi enterrado com honras militares no fim da tarde de ontem em Salvador

O corpo do senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA) foi enterrado ontem com honras militares, direito a 225 tiros de fuzil por parte de cadetes da Polícia Militar e o toque fúnebre de uma corneta. A cerimônia ocorreu no fim da tarde, no Cemitério Campo Santo, em Salvador - o mesmo onde estão sepultados os corpos de seus filhos Luís Eduardo Magalhães e Ana Lúcia Magalhães.

ACM, que morreu na sexta-feira, no Instituto do Coração, em São Paulo, vítima de falência múltipla dos órgãos e insuficiência cardíaca, foi velado no Palácio da Aclamação, no bairro do Campo Grande, por cerca de 18 horas. A PM calculou que nesse período passaram por lá quase 15 mil pessoas.

Houve momentos de histeria individual, com pessoas que gritavam e se descabelavam ao ver o caixão. Um grupo entoava cânticos variados, a ponto de transformar um refrão da música Negro Amor (Bob Dylan, com tradução em português cantada por Gal Costa) em ACM, Meu Amor.

Antonio Carlos Magalhães Júnior, que ficará com a vaga do pai no Senado, e o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM) seguiram à frente no transporte do caixão. ACM Neto era um dos mais emocionados. ¿Muita saudade¿, disse.

Pelo velório passaram quatro governadores: da Bahia, Jaques Wagner (PT), Sergipe, Marcelo Déda (PT), Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Também esteve lá o vice-presidente José Alencar, para quem o senador foi uma ¿legenda¿. ¿Teve intransigência em suas posições, quando se tratava de defender a Bahia¿, disse Alencar, que representou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e os senadores José Sarney (PMDB-AP), João Durval (PDT-BA), Ideli Salvatti (PT-SC), Wellington Salgado (PMDB-MG), Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Edison Lobão (DEM-MA), Cesar Borges (DEM-BA) e Marco Maciel (DEM-PE) foram ao velório, mas não ao enterro.

Durante o velório, no Palácio da Aclamação, duas filas serpentearam o caixão do senador. Sua anatomia revelou muito sobre a Bahia e sobre ACM. Não importava quem fosse a pessoa. Se rica ou pobre, empregada ou desempregada, à direita ou à esquerda do espectro político, todos celebraram ACM como aquele que lhes despertou um sentimento conhecido por ¿baianidade¿.

Com a morte dele, foi como se todos tivessem ficado órfãos. E, como tal, fizeram filas para ver pela última vez o corpo. Os políticos, num local reservado a eles, dentro do salão principal do palácio; o povão, do lado de fora, debaixo de sereno ou de sol forte, num ligeiro caminhar de peregrinos.

Essa adoração a ACM pode ser resumida no sacrifício feito por Roque Cardoso Machado, corcunda, manco e com outras deficiências. Ele enfrentou a fila dependurado num pedaço de pau improvisado de muleta, quase indo ao chão, mas antes socorrido por algum soldado vigilante. Passou pelo corpo manquitolando, se arrastando, agradecendo a pensão que tem do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), segundo ele, conseguida por ACM.

Roque mora no bairro do Itinga, local pobre, distante mais de uma hora de ônibus do centro de Salvador, já na vizinha Lauro de Freitas.

O corpo de Antonio Carlos Magalhães só chegou ao Palácio da Aclamação por volta das 22h40 da sexta-feira. Mas Claudionor Gomes Ribeiro aguardava desde as 13 horas. Foi o primeiro a chegar e, obediente, esperou no cercado montado pela polícia até que, lá pela meia-noite, fosse autorizado a subir os 12 degraus da escada do palácio para ver ACM pela última vez.

Levou consigo uma foto do senador, feita em 1990, ampliada para tamanho 20 por 40 cm. ¿Nessa foto ACM estava inaugurando o Dique do Tororó¿, contou. ¿Se os políticos no Brasil fossem a metade do que foi ACM, esse país estava salvo¿, afirmou o admirador, que sobrevive em Salvador da venda de doces e chicletes pelas ruas.

¿Sou apaixonada pelo ACM, desde que ele foi prefeito de Salvador pela primeira vez ¿, disse Ely Machado de Souza, professora aposentada de 67 anos, que se deslocou de Barreiras, cidade a 880 quilômetros de Salvador, para participar do velório. Ao lado do caixão, duas centenas de coroas de flores davam uma dimensão objetiva da devoção dos baianos.

CANTO

Avanir Dias do Nascimento, cabeleireira, 53 anos, também foi para a frente do palácio no início da tarde de sexta, assim que ouviu a notícia da morte. Levou um cartaz de Jesus Cristo ensangüentado. ¿O senador Antonio Carlos era devoto dele¿, explicou. No mesmo cartaz, ela colou imagens menores de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e de São Benedito: ¿ACM era também devoto destes outros dois.¿

A cabeleireira e Claudionor engrossaram o coro das pessoas que, ao verem o corpo do senador no palácio, depois de ser transportado pelas ruas de Salvador por um carro do Corpo de Bombeiros, cantaram o Hino do Senhor do Bonfim. Houve ainda espaço para cantar uma música que ficou muito conhecida na voz de Carmen Silva, a já clássica Segura na Mão de Deus.