Título: Congonhas estava decadente. Foi redescoberto pela TAM
Autor: Soares, Alexssander e Rigi, Camilla
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2007, Metrópole, p. C6

Glamouroso nos anos 40, vazio depois de Cumbica, aeroporto se popularizou nos anos 90

A Companhia Paulista de Santo Amaro inaugurou o Aeródromo de Congonhas em 12 de abril de 1936. Na distante Vila de Congonhas, à época acessível apenas por uma via particular pedagiada, o edifício com destaque em linhas curvas, inspiradas no estilo art nouveau, completou a trilogia de lazer dos barões do café na então inexplorada zona sul. Na década de 40, a elite paulistana ganhou o Velódromo (atual Autódromo de Interlagos) e uma praia formada com 500 caminhões de areia, trazidos do litoral para a orla da então Avenida Atlântica - atual Avenida Robert Kennedy. O fascínio de um aeródromo na cidade - com a presença de aviões da Vasp, Panair do Brasil ou Real Aerovias - tornou o local um ponto de encontro de aristocratas e programa turístico para famílias endinheiradas.

A pista de terra, com 300 metros de comprimento, logo ficaria na memória dos saudosistas, dando lugar aos novos negócios trazidos pelos imigrantes. O primeiro terminal de passageiros seria construído na década de 40, contribuindo para que Congonhas se tornasse o aeroporto internacional mais movimentado do País. Em 1951, a Aeronáutica registrava o movimento anual de cerca de 1 milhão de passageiros, quase a metade da população da capital.

A imprensa, na época, associava Congonhas a cosmopolitismo. O aeroporto era ponto obrigatório de passagem de poderosos e celebridades, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek e a atriz Marlene Dietrich.

A jovem guarda paulistana transformou Congonhas num de seus points preferidos. Tomar o ¿café do aeroporto¿ era um programa para os descolados. Foi lá, na década de 60, que apareceu a primeira máquina de café espresso do País.

¿Era costume na época entregar receita médica aos tripulantes das companhias aéreas para a compra de remédios no exterior¿, diz o jornalista Cláudio Luchesi, editor da Revista Asas, especializada em aviação. ¿As pessoas davam dinheiro no saguão e depois buscavam com os próprios tripulantes. Era outro espírito. Ninguém falava em terrorismo ou em medo de um atentado.¿

DECLÍNIO

Na década de 70, a relação de paixão do paulistano com o Aeroporto de Congonhas já começou a mudar. Bairros populosos surgiram no entorno e os moradores começaram a reclamar do incômodo de ter um aeroporto encravado no meio da cidade. ¿O loteamento da Vila de Congonhas foi proposital, incentivado pelo poder público na época da construção do aeroporto. Era chique morar ao lado de Congonhas. O problema foi que os homens públicos acordaram tarde demais para o crescimento da cidade e sua chegada até ao aeroporto¿, afirma a urbanista Regina Monteiro, diretora da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) e integrante do Movimento Defenda São Paulo. Em 1º de março de 1976, o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) - atual Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) - tentou acalmar os ânimos, determinando que o aeroporto só funcionaria das 6 às 23 horas.

O progresso, exaltado no início, agora trabalhava contra Congonhas. Os modelos cada vez maiores das companhias internacionais começavam a ter dificuldades para operar na pista principal do aeroporto, de apenas 1.949 metros. Um novo aeroporto internacional começou a ser planejado, sob o risco de os vôos internacionais serem transferidos para Viracopos, em Campinas, ou para o Aeroporto Tom Jobim, no Rio.

O Aeroporto Internacional de Guarulhos, no bairro de Cumbica, foi inaugurado em 1986. Com isso, o glamour de tempos passados em Congonhas deu lugar a corredores vazios. Houve uma diminuição de 50% no volume de passageiros e 30%, no de aeronaves. Os comerciantes de Congonhas chegaram a sugerir a transformação do aeroporto em shopping. A sugestão foi rejeitada pelas autoridades, que ainda não imaginavam a transformação do aeroporto por um novo modelo de aviação comercial. O momento econômico do início dos anos 90, com a estabilidade trazida pelo Plano Real, em 1994, renderia bons ventos a Congonhas.

¿A comodidade e a rapidez de Congonhas foram essenciais para seu ressurgimento, diante dos problemas de transporte para os passageiros chegarem a Guarulhos. Sem uma ligação com metrô ou trem rápido, quem desembarca em Cumbica perde mais tempo nas Marginais para chegar ao centro de São Paulo do que na ponte aérea¿, afirma Lucchesi.

Um dos responsáveis pela reinvenção de Congonhas foi um empresário da aviação privada que apostou num novo filão, o do transporte regional.Era o comandante Rolim Adolfo Amaro, dono da TAM, que substituiu o glamour elitista da aviação brasileira pelas viagens de negócios.

Aeronaves de menor porte, como Fokkers 100 ou modelos Brasília, da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), utilizados por empresas de táxis aéreo, transformaram Congonhas numa referência para o transporte regional. Amaro empregou com perfeição a filosofia city airports em Congonhas, encontrando espaço ocioso na grade de pousos e decolagens e qualidades comerciais indispensáveis para atrair passageiros, como a proximidade casa-trabalho. Com tanta facilidade e um marketing agressivo com tarifas a preços tentadores, nem seria preciso estender o tapete vermelho aos passageiros, como a TAM fazia nos anos 90 para relembrar os anos dourados da aviação, para fazer a empresa decolar.

O comandante Rolim transformou Congonhas em um hub (ponto de conexão) de rotas regionais, beneficiado por concessões no uso do aeroporto. Desde a inauguração de Cumbica, vigorava uma portaria do DAC regulamentando o uso da pista somente para a ponte aérea Rio-São Paulo, além de rotas regionais no Estado. A concorrência comercial levou a Varig a utilizar sua bandeira Rio-Sul para entrar na briga pelas rotas regionais. ¿O poder econômico e o fato de que 45% dos vôos partem da capital são fundamentais para que Congonhas opere próximo do seu limite¿, afirma o especialista em segurança de vôo Roberto Peterka, funcionário aposentado do comando da Aeronáutica.

O plano de vôo de Congonhas atingiu, então, o ¿céu de brigadeiro¿, com companhias aéreas e passageiros plenamente satisfeitos com a comodidade de embarcar perto do centro da maior cidade do País. Atrasos e ameaça de greve de controladores de vôo eram termos que ainda não faziam parte do vocabulário brasileiro.

O cenário muda em 31 de outubro de 1996, quando um Fokker 100 da TAM, até então estrela das rotas regionais, cai 65 segundos após decolar de Congonhas rumo ao Rio. A morte de 99 pessoas põe em xeque a segurança dos Fokkers 100. A tragédia também atinge a fabricante dos aviões, que decreta falência por dívida com fornecedores.

Os Fokker 100 da TAM foram deslocados para as rotas do Centro-Oeste e Nordeste. A empresa conseguiu homologar os modelos Airbus para operar em Congonhas, acabando com a imagem trágica dos antigos Fokkers, por conta do acidente de 1996. Os modelos Airbus trouxeram novos ares de modernidade às rotas regionais, levando Congonhas a acumular mais de 18 milhões de passageiros transportados no ano passado, consolidando-se como aeroporto mais movimentado do País.

Entre os anos de 2001 e 2002, o Serviço Regional de Proteção ao Vôo chegou a realizar 52 pousos e decolagens por hora em Congonhas, nos períodos de pico. O que teve de ser alterado ao longo dos anos, com o aumento do tamanho das aeronaves e falta de estacionamento. De 2002 a fevereiro de 2007, a Aeronáutica conseguiu reduzir as operações ao pico de 48 operações por hora - 38 para vôos comerciais e 10 para a aviação geral, com táxi aéreo e jatinhos.

¿A situação limite é visível. A Anac não pode atender a interesses comerciais na concessão de linhas¿, afirma Carlos Camacho, diretor do Sindicato Nacional dos Aeronautas.