Título: O jeito lulista de (não) governar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2007, Notas & Informações, p. A3
Em fevereiro passado, comentando o estado de catalepsia em que se encontrava a primeira Parceria Público-Privada (PPP) anunciada pelo governo 15 meses antes - e quase um ano depois de ter o presidente Lula assinado a lei que instituiu essa modalidade de cooperação entre o setor estatal e empresas particulares no campo da infra-estrutura -, escreveu-se neste espaço: ¿Seria razoável culpar o preconceito ideológico pela não-implementação das PPPs (¿), se em outras áreas, em que esse fator tivesse peso muito menor ou nenhum, o desempenho do governo fosse diferente. Mas isso está longe de ser o caso. Praticamente por onde quer que se o examine, topa-se com um cenário de torpor e incompetência. Às vezes parece, aqui e ali, que agora vai. Mas, em menos tempo do que Lula leva para se elogiar a cada discurso, vê-se que foi outra enganação.¿
Entre os que acusam pavlovianamente a imprensa de torcer pelo fracasso do governo, não há de ter faltado quem identificasse naquele editorial, intitulado É incompetência, não ideologia, mais uma prova de má vontade com o primeiro operário a chegar ao mais alto cargo da República. Antes fosse, é o caso de dizer, porque nessa hipótese o interesse nacional não seria a primeira vítima do jeito lulista de (não) governar - como de fato é. Mas a realidade está aí uma vez mais para garantir que não corre o risco de empobrecer quem apostar, na esmagadora maioria das situações, na inoperância do presidente. Na segunda-feira, o Planalto anunciou que a PPP que seria a primeira - para as obras de recuperação de 660 quilômetros das Rodovias BR-116 e BR-324, na Bahia - deixou de ser uma promessa: foi simplesmente sepultada. Os trechos serão licitados em regime de concessão.
Se se tratasse de um caso isolado, o governo poderia invocar a circunstância atenuante de que, apesar da interminável demora em decidir, afinal concluiu que a nova alternativa seria melhor para o erário, poupando-o de um desembolso da ordem de R$ 36 milhões por ano. No entanto, à parte o cancelamento de um projeto que foi celebrado no Ministério do Planejamento como nada menos do que ¿um negócio da China¿, é uma recidiva que aponta para um desfecho inequívoco. O que era para ser a primeira PPP federal, a Ferrovia Norte-Sul, foi a primeira a ser abandonada. Mesmo destino teve a do Ferroanel de São Paulo. Embora o Ministério dos Transportes alegue que duas outras obras rodoviárias, ainda em fase de estudos de viabilidade, poderão ser tocadas como PPPs, o modelo, como o gato da anedota, subiu ao telhado.
Informa o titular da Pasta, Alfredo Nascimento, que o presidente lhe pediu para dar prioridade às concessões, sob o argumento de que essa fórmula mais convencional dispensa o governo de entrar com contrapartidas nos contratos de parceria, pois todos os investimentos serão custeados pelos pedágios que os concessionários vierem a cobrar.
É brincar com a memória da sociedade. No começo do ano, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, mandou suspender o processo de concessões rodoviárias para que se revissem as tarifas de pedágio em sete trechos, dos quais três no Paraná, cujo governador, Roberto Requião, é inimigo feroz das privatizações. Portanto, ou o governo partiu agora para a enganação também nessa área ou, numa acintosa exibição da letargia lulista, só agora descobriu que as concessões são mais vantajosas que as PPPs.
A próxima sigla que parece fadada ao cadafalso, empurrada pela laborfobia presidencial, é o PAC. O Programa de Aceleração do Crescimento só avança no parlapatório de Lula - nisso, sim, é incansável. Amanhã ou depois, quando ficar claro que nunca antes neste país um chefe de governo ¿anunciou, anunciou, anunciou¿, como diria ele, um grande salto para a frente, sem tirar os pés do chão, não lhe faltará lábia para mascarar mais esse fracasso. O conto-do-vigário continuará a dar certo enquanto legiões de brasileiros não perceberem que a economia vai de bem a melhor antes por obra e graça de uma conjunção externa como de há muito não se via do que pela capacidade de agir e inovar do presidente.
O destino de um governante, escreveu Maquiavel, depende da virtù e da fortuna. Tão afortunado é Lula que não o castiga a sua enorme carência do outro atributo.