Título: A reforma da Biblioteca
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2007, Notas & Informações, p. A3

Com um atraso de mais de cinco décadas, a Prefeitura de São Paulo finalmente decidiu reformar o prédio da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, que atende mais de 135 mil pessoas por ano e é a segunda maior do Brasil, ficando atrás somente da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. As instalações da Biblioteca Municipal foram inauguradas em 1942 e, 15 anos depois, seu então diretor, o poeta e crítico literário Sérgio Milliet, já pedia, em ofícios enviados a seus superiores hierárquicos, urgentes reformas para preservar o acervo contra infiltrações, pragas e atos de vandalismo. A última reforma parcial do prédio foi feita há 30 anos, na gestão do prefeito Olavo Setubal.

No entanto, como gastos com manutenção e reforma de bibliotecas não dão voto nem rendem manchete em jornal, nenhum outro prefeito destinou recursos suficientes para a Biblioteca Municipal manter os arquivos, aumentar e conservar o acervo e evitar a deterioração física do prédio. O orçamento do ano passado, de apenas R$ 1,5 milhão, é tão baixo que permite, no máximo, o pagamento das contas de água e luz. Para climatização de salas, conservação de livros e restauração de obras raras, não há dinheiro.

O resultado desse descaso é uma situação dramática, com milhares de livros não classificados e guardados de forma inteiramente inadequada. O número de funcionários está muito abaixo do necessário. Em 1992, eram 66 bibliotecários. Hoje, são apenas 25. Como não há servidores em número suficiente no setor de segurança, já foram furtadas mais de 130 obras raras. A descoberta foi feita em setembro do ano passado e da lista de bens extraviados constam primeiras edições de livros de Machado de Assis, José de Alencar e Graça Aranha, além de gravuras de Rugendas e Debret.

A falta de espaço na Biblioteca Municipal também impede o aumento do acervo que, além de malconservado, está bastante defasado. Atualmente, são mais de 3,3 milhões de itens. Mas, como não há onde abrigá-los, a direção da entidade foi obrigada a transferir a coleção de jornais e periódicos para a Biblioteca de Santo Amaro, na zona sul, e a mudar o acervo circulante, formado por cerca de 30 mil livros que podem ser emprestados a qualquer pessoa, para uma casa situada na Rua da Consolação. O tradicional prédio da Praça D. José Gaspar não tem a menor condição de receber novos livros e jornais.

O mobiliário original também está deteriorado, as fachadas carecem de manutenção e as lajes estão degradadas, necessitando de impermeabilização. ¿Para qualquer canto que você olhe, tem problema. Se olhar para lá, vai ver que o relógio não funciona. Se olhar para o outro lado, há infiltração. O acervo não é informatizado. E, se retirar um livro, vai ver que ele está malconservado¿, diz o diretor Luís Francisco Carvalho Filho.

O programa de recuperação desse patrimônio está orçado em R$ 13 milhões, dos quais R$ 11 milhões serão financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. A reforma terá duas etapas. Na primeira, serão recuperados as fachadas, as lajes e o mobiliário.

Na segunda etapa da reforma, orçada em R$ 11,5 milhões, será aumentado o espaço físico da Biblioteca Mário de Andrade, com a incorporação do prédio do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, que fica ao lado, e a transferência do acervo circulante para a atual sala de leitura. Para se ter idéia da magnitude das obras que precisarão ser feitas, o prédio da Biblioteca Mário de Andrade terá de permanecer fechado para visitação durante um ano e meio.

Mas, além das obras, a modernização da Biblioteca exige ainda sua conversão em fundação, a fim de que possa receber doações da iniciativa privada e contratar historiadores e especialistas em preservação. Como esses cargos não existem na administração municipal, a Biblioteca não pode contratá-los.

Custa crer que foi por causa do irresponsável descaso de sucessivos governos municipais que um dos patrimônios culturais mais valiosos da maior cidade do País chegou ao estado de deterioração descrito por seu diretor Luís Francisco Carvalho Filho.