Título: A guerra do bife
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2007, Notas & Informações, p. A3

O Brasil é há três anos o maior exportador de carne bovina e a União Européia absorve cerca de um terço de suas exportações. Nenhum outro país apresentou, nos últimos dez anos, uma expansão tão grande nas vendas de carnes ao exterior: entre 1997 e 2006, o volume embarcado nos portos brasileiros aumentou 271,7%, enquanto o valor faturado cresceu 347,7%, alcançando US$ 3,52 bilhões. Com esses dados, é fácil entender a campanha movida por pecuaristas do Reino Unido, especialmente por irlandeses, contra as importações do produto brasileiro. Sem condições de competição comercial, resta a esses produtores pressionar a Comissão Européia por mais protecionismo - até agora, sem resultado. Mas a campanha é ruidosa e tanto as autoridades quanto os exportadores brasileiros têm de ficar alertas para reagir às ameaças. A segurança comercial do País dependerá, nesse caso, não só da pronta resposta a quaisquer novas pressões, mas também de medidas políticas internas de longo alcance.

A novidade importante, nos últimos dias, foi o deslocamento da campanha protecionista para o Parlamento Europeu. Sem apoio na Comissão Européia, ramo executivo do bloco, produtores do Reino Unido levaram suas queixas à esfera política. Apresentaram relatórios sobre as condições de produção brasileira, por eles descritas como incompatíveis com as normas sanitárias da Europa.

Representantes da Comissão Européia, mais afeitos a discussões baseadas em provas técnicas, contestaram um por um os pontos mais importantes da argumentação apresentada pelos produtores.

Mostraram que há controle do produto exportado pelo Brasil e indicaram as conclusões dos grupos de inspeção enviados ao Brasil recentemente. Não há, segundo os informes desses grupos, motivos para novos embargos à carne brasileira. As condições definidas pela União Européia vêm sendo cumpridas, de acordo com os técnicos, pelos produtores das áreas autorizadas a exportar. De toda forma, as últimas missões mandadas ao País deixaram algumas novas recomendações e seu cumprimento será avaliado até o fim do ano. Até lá, não há por que impor barreiras sanitárias. Segundo os especialistas da Comissão Européia, as informações apresentadas pelos lobistas aos parlamentares são ¿incorretas¿, ¿falsas¿ e ¿enganosas¿.

O debate no Comitê de Agricultura do Parlamento Europeu, na segunda-feira, durou duas horas, embora a sessão tenha sido programada para durar 45 minutos. Participantes da reunião deram versões divergentes sobre as conclusões do encontro. Segundo uma fonte, o presidente da Comissão, o britânico Neil Parish, resumiu a discussão, dizendo que a maior parte dos membros defendeu a suspensão imediata das compras de carne brasileira. Segundo outra, alguns pediram esclarecimentos e só dois parlamentares defenderam o embargo. Concretamente, a Comissão Européia continua a rejeitar as conclusões do relatório apresentado pela missão irlandesa que visitou o Brasil. Mas isso não basta para neutralizar politicamente as pressões, porque os produtores em busca de proteção não estão empenhados na busca da verdade e não participam de um campeonato de boa-fé. Seu objetivo também não é proteger a saúde do consumidor europeu. Não mostraram essa preocupação quando houve o surto da doença da vaca louca e insistiram em continuar vendendo seu produto em toda a Europa.

Pressões desse tipo não vão desaparecer. Diante desse fato, o governo e os produtores brasileiros têm um motivo a mais para reforçar o controle sanitário, tanto no interior do País quanto nas fronteiras. Esse controle pode tornar-se mais eficiente se for complementado pela cooperação com países vizinhos. Mas essa cooperação só funcionará de forma satisfatória se incluir mecanismos de controle de resultados. Internamente, é preciso continuar a investir em sistemas de rastreabilidade, para tornar toda a cadeia produtiva menos vulnerável a críticas. Tudo isso é conseqüência natural da ocupação de espaços cada vez maiores no mercado internacional. Pressões relativas a padrões sociais e ambientais também se tornarão mais intensas nos próximos anos. Boa conduta em todos os campos é cada vez mais um fator relevante para o sucesso comercial.