Título: O dilema do presidente
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2007, Economia, p. B2

Na 22ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), na semana passada, o presidente Lula apresentou um dilema que o angustia. Ele observou que, ao mesmo tempo em que os empresários clamam pela redução dos impostos, é preciso melhorar a educação, melhorar a saúde e desonerar alguns setores da economia. 'O meu medo', disse Lula, 'é que nem sempre a conta fecha'.

O dilema apresentado por Lula indicou, para alguns empresários que estavam na reunião do CDES, a decisão do governo de expandir os gastos nos próximos anos e, conseqüentemente, elevar a carga. Ou, na melhor das hipóteses, manter a carga tributária no nível atual e, da forma que for possível, ampliar os gastos sociais.

O recado de Lula aconteceu justamente no momento em que os empresários apresentaram sua proposta de reforma tributária, que prevê, entre outras medidas, um limite para a carga e a redução progressiva da alíquota da CPMF. Ocorreu também no momento em que o governo anuncia a sua decisão de encaminhar ao Congresso Nacional, em setembro, o seu projeto de reforma tributária.

Existe um receio de que a proposta do governo possa resultar em mudanças legislativas que implicarão em aumento dos impostos. O temor é real pois há um entendimento em certos setores do governo de que o problema brasileiro não é a elevada carga tributária, mas sim a péssima qualidade dos tributos. De acordo com essa visão, se a qualidade da tributação for melhorada, principalmente com o fim da incidência cumulativa, a carga poderá ser mantida onde está ou até ampliada.

É evidente que essa visão decorre de um viés ideológico, geralmente relacionado ao pensamento social-democrata. Outros técnicos acreditam que a elevação contínua da carga tributária nos últimos anos foi um dos principais limitadores do crescimento econômico brasileiro. Nos últimos dez anos, a carga brasileira subiu, em média, quase 1 ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano - um feito sem precedente no resto do mundo.

A única saída para o dilema apresentado pelo presidente Lula é o governo controlar a expansão dos gastos públicos, de tal forma que ela seja inferior ao ritmo de crescimento da economia. Em outras palavras: as despesas públicas não podem mais crescer em ritmo superior ao da economia, pois essa situação somente é sustentável com uma elevação contínua da carga tributária.

Nos últimos 12 anos, os gastos correntes cresceram mais rápido do que o PIB e é isso o que vai acontecer de novo este ano, com mais um aumento da carga tributária. Os especialistas em tributação acreditam que a carga deverá crescer mais de 0,5 ponto porcentual do PIB em 2007.

O ritmo de aumento dos gastos é impressionante. De janeiro a maio deste ano, as despesas do Tesouro Nacional (excluído o pagamento de juros das dívidas) totalizaram 9,47% do PIB, contra 9,27% do PIB no mesmo período de 2006. Em termos nominais, verificou-se um aumento de R$ 10,3 bilhões ou 12,2% em relação ao ano anterior. Para se ter uma idéia, o crescimento nominal da economia no período (inflação mais crescimento real) foi de 9,75%. Ou seja, as despesas estão crescendo em ritmo mais forte do que o PIB, mantendo uma trajetória que vem sendo observada desde 1995 e que leva inevitavelmente a uma expansão da carga tributária.

Se forem considerados os gastos com os benefícios previdenciários, o quadro é ainda mais preocupante. De janeiro a maio deste ano, as despesas totais da União (inclui os benefícios previdenciários) atingiram R$ 164,8 bilhões - aumento de R$ 18,3 bilhões ou 12,5% em relação ao ano anterior. A Secretaria do Tesouro Nacional vai divulgar, nos próximos dias, os dados relativos aos gastos da União no primeiro semestre, que confirmarão esta trajetória.

A favor do governo, deve-se dizer que o ritmo de crescimento dos gastos deste ano é inferior ao registrado em 2006. De janeiro a maio do ano passado, as despesas do Tesouro Nacional cresceram 15,4%, em relação ao mesmo período de 2005. Mas é importante lembrar que, em 2006, houve eleição para a presidência da República, o que explica, em parte, a forte expansão dos gastos.

A solução para o dilema de Lula já foi apresentada ao próprio presidente, no final de 2005, pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. O plano Palocci/Bernardo previa que as despesas correntes cresceriam em ritmo mais lento do que o PIB. Se a economia crescesse 5% no ano, por exemplo, as despesas correntes poderiam expandir 2% ou 3%, em termos reais (ou seja, descontada a inflação).

Com isso, os gastos correntes cairiam em proporção do PIB, ao longo do tempo, e o governo abriria espaço no Orçamento para elevar os investimentos e para reduzir a carga tributária. Embora tenha sido inicialmente apoiado por Lula, o plano Palocci/Bernardo foi chamado de 'rudimentar' pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e abandonado. Lula parece ter esquecido essas recomendações.

A atual política fiscal do governo não prevê qualquer controle de gastos e está baseada, unicamente, na redução da taxa de juros e no crescimento da economia. Ela não permite a redução da carga tributária.

email: ribamar.oliveira@grupoestado.com.br