Título: Um acidente previsível
Autor: Mendonça, Antonio P.
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2007, Economia, p. B5

O acidente com o Airbus da TAM se enquadra entre os acidentes lamentáveis, principalmente porque poderia ser evitado, bastando para isso um pouco de autoridade e bom senso na gestão da aviação civil brasileira.

Ainda é cedo para se determinar as causas desse acidente, mas, desde a queda do Boeing da Gol, o governo federal transformou o controle dos vôos num enorme saco de gatos, aonde a única certeza é a completa inaptidão dos envolvidos. Retenção de dinheiro destinado a ampliação e modernização dos sistemas de controle de vôo, declarações infelizes, posições contraditórias e explicações sem sentido são o retrato da inabilidade federal para tratar de um assunto onde a incompetência pode levar à morte.

Em menos de um ano o governo conseguiu a façanha de ser responsável por dois dos maiores acidentes aéreos da história nacional. Nos dois, independentemente de outras causas, a união, por ação e omissão de seus órgãos, está diretamente ligada aos fatos determinantes dos respectivos desfechos.

Mais que isto: o governo federal tem a responsabilidade original pelos acidentes. Em acidentes dessa natureza não existe apenas uma causa. Normalmente a conjunção de uma série de fatores simultâneos acaba conduzindo ao final trágico. Tanto que já se fala em problema no reverso de uma das turbinas do Airbus. Todavia, há situações em que é possível se determinar uma causa que precede as outras e que direta ou indiretamente dá origem ao acidente. É a responsabilidade original.

No acidente com o avião da Gol a responsabilidade original foi do controle de vôo. Outras causas podem ter contribuído para a tragédia, mas não foram a origem. Cabe ao controle de vôo o monitoramento dos vôos em território brasileiro. Sem as falhas do controle, o acidente não aconteceria, sendo indiferente os aviões estarem equipados com transponders e estes estarem ligados. É bom lembrar que a maioria das aeronaves em operação no Brasil não tem transponder e nem por isso se chocam diariamente no ar.

Depois da queda do avião da Gol a aviação civil entrou em parafuso. A situação transformou-se numa bomba-relógio, alimentada por atrasos dos vôos, caos nos saguões dos aeroportos, ameaças e chantagens de gente interessada em aumentar a temperatura do fogo, e pela constatação de que nos corredores da Infraero havia mais coisa do que compreende a vã filosofia. Entre elas a deterioração das pistas, enquanto as reformas dos aeroportos consumiam milhões de reais, em ações sem o menor significado para a segurança dos vôos.

Congonhas transformou-se no paradigma. Quando chovia, alguém descia com um pauzinho para medir o nível de água na pista principal! A reação popular exigiu uma reforma que não foi concluída e o aeroporto foi reaberto 'meia boca'. O resultado está aí, plasmado na morte de perto de 200 pessoas, a bordo de um avião que derrapou na pista, bateu num prédio e explodiu.

A responsabilidade original também é do governo. Pela pista inacabada e pela autorização para o pouso em condições de uso ruins.

Existe seguro para esse sinistro. São eles: responsabilidade civil, que cobre os danos causados a terceiros, passageiros ou não; o seguro da aeronave; e o seguro para o prédio atingido. Não conheço as apólices e as importâncias seguradas, mas devem ser suficientes para fazer frente às indenizações. A questão é como elas serão pagas, já que, apesar de ser cedo para determinar as responsabilidades, a TAM também é vítima da reforma incompleta da pista, utilizada sem ressalvas em dia de chuva, mesmo após outro avião derrapar nela, um dia antes.

*Antonio Penteado Mendonça é advogado e consultor, professor do Curso de Especialização em Seguros da FIA/FEA-USP e comentarista da Rádio Eldorado. E-mail: advocacia@penteadomendonca.com.br