Título: Escândalo abala plano dos Kirchner
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2007, Nacional, p. A12

Queda da ministra da Economia ofusca campanha da primeira-dama à presidência às vésperas do seu lançamento

A primeira-dama e senadora Cristina Fernández de Kirchner lançará formalmente sua candidatura à presidência da Argentina amanhã, no elegante Teatro Argentino de La Plata. No entanto, o clima para o início da campanha para as eleições de 28 de outubro está muito menos otimista que o previsto tempos atrás.

O motivo é, antes de tudo, a renúncia, na segunda-feira, da ministra da Economia, Felisa Miceli, envolvida num escândalo que ficou conhecido como ¿banheirogate¿. Além disso, problemas como a crise energética, a escalada da inflação, o desabastecimento de produtos e outros casos de corrupção também começaram a afetar a imagem outrora sólida do governo do presidente Néstor Kirchner.

Fontes políticas afirmam que Cristina pressionou pela saída de Felisa, irritada ao ver que as trapalhadas da ministra com o banheirogate colocavam em risco sua candidatura. Numa reunião com o presidente e os principais assessores, poucas horas antes da oficialização da renúncia de Felisa, a primeira-dama - conhecida por seu temperamento forte - teria deixado claro que, para ela, o governo não podia pagar os elevados custos políticos do caso.

Segundo analistas, Kirchner avaliou que seria necessário realizar uma ¿limpeza¿ no governo para evitar que os escândalos comecem a causar perda de potenciais votos nas eleições de outubro. Uma pesquisa realizada pela consultoria OPSM dias antes da renúncia indicava que 56,4% dos entrevistados acreditavam que o presidente deveria remover Felisa. Além disso, 64,2% sustentavam que a saída dela não causaria nenhum problema à economia argentina.

O ponto de partida do banheirogate foi a descoberta, em junho, de uma sacola de dinheiro com milhares de dólares no banheiro do gabinete de Felisa no ministério. A quantia era de US$ 64 mil, segundo versão da ex-ministra, ou de US$ 241 mil, de acordo com denúncias de jornais argentinos.

Para os analistas e parlamentares consultados pelo Estado, o que aumentou as proporções do escândalo foi o fato de que a ministra não teve jogo de cintura para explicar a origem do dinheiro. Ao contrário, a cada nova declaração, Felisa se complicava cada vez mais.

O banheirogate surgiu num momento em que Kirchner já começava a enfrentar dificuldades para manter a popularidade de seu governo. No mesmo mês, explodiu a crise energética.

Também surgiram novas denúncias de manipulação do índice de inflação e acusações de enriquecimento ilícito contra o ministro do Planejamento, Julio De Vido, braço direito de Kirchner na área econômica. De quebra, até a secretária de Meio Ambiente, Romina Picolotti, envolveu-se em um escândalo por contratar amigos e parentes.

Apesar das turbulências, se as eleições fossem hoje, Cristina ainda teria grandes chances de ser eleita. As pesquisas indicam que ela receberia de 45% a 50% dos votos, enquanto as principais figuras da oposição não obteriam mais de 15%. O problema, afirmam os analistas, é que ainda faltam três meses para as eleições - e, nesse período, novas complicações podem surgir.

Apesar de todo o rebuliço político causado pela saída de Felisa Miceli, Kirchner evitou falar sobre ela. A estratégia do presidente argentino é agir como se nada tivesse acontecido. Ou, como afirma o colunista econômico Ángel Coraggio, ¿garantir sua oktoberfest¿ (uma alusão às eleições presidenciais de outubro).

NOVO MINISTRO

O novo ministro da Economia, Miguel Peirano, de 40 anos, assumiu oficialmente o cargo no fim da tarde de ontem, numa cerimônia da qual participaram Kirchner e a primeira-dama. Até segunda-feira, Peirano era o secretário de Indústria e Comércio - e, portanto, o encarregado das duras negociações comerciais com o Brasil. No passado, ele também atuou como economista da União Industrial Argentina (UIA), a maior associação patronal do país.

PROBLEMAS DE KIRCHNER

Banheirogate: Bolsa cheia de dinheiro de origem misteriosa é encontrada no banheiro do gabinete da ex-ministra Felisa Miceli.

Caso Picolotti: Secretária de Ambiente, Romina Picolotti é acusada de usar a Pasta como cabide de emprego para 300 pessoas.

Inflação camuflada: Funcionários dissidentes do Instituto de Estatísticas e Censos (Indec) dizem que a inflação `real¿ é o dobro da inflação `oficial¿.

Crise energética: A crise que pairava sobre a Argentina desde 2004 concretizou-se nesse inverno. Diversos setores industriais estão paralisando suas atividades por falta de gás e eletricidade.

Fundos de Santa Cruz: Nos anos 90, Kirchner, governador de Santa Cruz, retirou US$ 500 milhões do Tesouro provincial para colocá-lo em bancos na Europa e fugir do ¿corralito¿. O dinheiro não voltou até agora e o destino dos juros desses fundos é um mistério.