Título: Problemas se arrastam há mais de uma década
Autor: Rigi, Camilla e Brancatelli, Rodrigo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2007, Metrópole, p. C8

Especialistas, moradores e políticos já haviam avisado sobre riscos

Entre todos os sentimentos vividos ontem pelos paulistanos, a surpresa definitivamente foi o menor deles. O maior acidente aéreo já ocorrido na capital é o ponto mais agudo de uma situação que se arrasta há mais de uma década. Especialistas em segurança de vôo, consultores em aviação, políticos, moradores vizinhos ao aeroporto - de certa forma, São Paulo inteira já sabia que uma tragédia em Congonhas era muito mais do que simples hipótese.

'Infelizmente, no fundo, sabíamos que isso podia acontecer a qualquer momento', diz a advogada Lygia Horta, presidente da Associação dos Moradores de Moema, talvez a pessoa que mais tenha chamado a atenção para o problema nos últimos anos. 'Falo isso desde 1987. Muitas vezes fui ridicularizada por essa minha postura. Pensei isso outro dia mesmo: 'será que é preciso uma tragédia para as autoridades perceberem o óbvio?''

Avisos de uma tragédia anunciada nunca deixaram de acontecer. Anteontem às 12h43, um avião modelo ATR-42, da empresa Pantanal, derrapou na pista principal de Congonhas, mas foi parar na grama. Nenhum dos 21 passageiros ficou ferido. No entanto, como a aeronave parou muito perto da pista auxiliar, o Serviço Regional de Proteção ao Vôo de São Paulo (SRPV-SP) fechou essa via até a meia-noite, quando o aeroporto fechou e o avião pôde ser rebocado. Outro incidente - que não foi divulgado - ocorreu às 17h40, quando um avião da TAM tentou pousar e quase não conseguiu parar no fim da pista.

UM TRAUMA

As imagens do acidente do Fokker 100 da TAM, em 31 de outubro de 1996, ainda permanecem frescas na memória do paulistano. A aeronave chocou-se contra o teto de um prédio de três andares na esquina da Rua Luís Orsini de Castro com Rua Domenico di Genio, a 20 metros de uma escola estadual. Em seguida, ele arrancou o teto de um sobrado. As turbinas, o trem de pouso, a cauda e parte das asas foram batendo contra outras casas. Morreram 90 passageiros, 6 tripulantes e 3 pessoas que passavam pelo local.

Apesar do acidente do Fokker 100, que mostrou a inviabilidade de um aeroporto com tanto movimento bem no coração da metrópole, Congonhas não parou de crescer.

Ao concluir a primeira etapa da reforma do terminal de passageiros do aeroporto, em 2003, a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) viu aumentar em 50% o número de passageiros, de 12 para 18 milhões por ano. Congonhas é hoje o mais movimentado aeroporto do País e da América do Sul, com média de 630 pousos e decolagens ao dia - ante 430 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, na região metropolitana.

Esse quadro exige, no mínimo, a racionalização da utilização das pistas, equipamentos de última geração e condições adequadas de funcionamento e manutenção. Só que os incidentes nos últimos anos demonstraram que essa não era a realidade.

Exemplos de precariedade se acumularam. Em janeiro deste ano, um Boeing da Varig, com 130 passageiros, deslizou ao aterrissar na pista molhada. A pista ficou interditada por 50 minutos.

As obras na pista de Congonhas começaram no dia 14 de maio e terminaram em 29 de junho, ao meio-dia. Foram gastos R$ 19,9 milhões em um contrato de emergência.