Título: A cidade e os aeroportos
Autor: Wilheim, Jorge
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/07/2007, Espaço Aberto, p. A2

É compreensível que um acidente com perto de 200 vítimas crie a reação avassaladora de dor e revolta. A morte é irremediável, deixando em seu rastro o luto das ausências. Respeito e solidariedade são devidos aos familiares. Porém há também que reter do trágico evento as lições possíveis.

São Paulo, o maior centro latino-americano de origem e destino de passageiros e de carga aérea, exige um sistema aeroportuário suficiente, acessível e seguro. O atual apresenta percalços: Congonhas tem sobrecarga de passageiros e de número de vôos, operando com risco e sob tensão. Quando a Prefeitura, em 2002, aprovou os projetos de ampliação do terminal de passageiros e construção da garagem, fê-lo colocando duas condições, aceitas pela Infraero: construir a passagem sob a Avenida Washington Luís, para evitar a interrupção do trânsito; e limitar a 9,5 milhões/ano os passageiros atendidos, o que significaria uma redução do número de vôos então operando. A primeira condição está sendo atendida, a segunda não o foi: estimam-se em 12 milhões os passageiros a passarem por Congonhas este ano...

Por que cresce o movimento de Congonhas? Porque a demanda aumentou, mormente na medida em que é totalmente imprevisível o tempo de percurso para alcançar o aeroporto de Guarulhos, pela congestionada Marginal do Tietê. As empresas aéreas não podem resolver este problema; atendem à demanda, exagerando o número de vôos que operam em Congonhas. Em outros termos: além de deslocar charters e jatinhos, para diminuir a demanda por Congonhas, é preciso garantir menor tempo de acesso a Guarulhos.

Torna-se, por isso, imprescindível a construção e operação do trem do aeroporto que sairia da Barra Funda, próximo à estação rodoviária, ou da Luz, ambas com acesso fácil para veículos e já servidas por metrô. A CPTM estudou esta linha, que utilizaria em boa parte uma linha existente; em 2003 havíamos (Sempla e CPTM) avaliado as alternativas para localização da estação e do terminal remoto, dentro do projeto do Bairro Novo na Barra Funda. O então governador Alckmin chegou a prometer a inauguração da linha dentro de dois anos. A inapetência e o desrespeito de políticos pelo planejamento atrasou este projeto. Este acesso rápido a Guarulhos aliviaria Congonhas, uma vez que os congestionamentos das marginais só diminuirão após a construção do tramo norte do Rodoanel, possivelmente dentro de 10 a 15 anos.

Por que pensar em novo aeroporto, se ainda não esgotamos o potencial de Guarulhos? Dos quatro terminais de passageiros do projeto original, apenas dois estão construídos; urge edificar o terceiro, assim como construir a terceira pista, a qual implicará alterações na atual via de acesso. Por outro lado, o mais distante Aeroporto de Viracopos está ocioso; talvez esteja em posição boa como núcleo de conexões, além do que a Anac, quando de fato assumir o seu papel, poderia determinar às companhias que certos vôos internacionais e todos os vôos charter utilizassem Viracopos. Seria então necessário verificar que carências devem ser sanadas, a fim de operar de forma satisfatória, para as aeronaves e para os passageiros.

Um terceiro aeroporto internacional não parece responder às questões levantadas, além de ser muito difícil encontrar espaços adequados próximos da capital, geradora da demanda. Lembro que o governador Paulo Egydio (1975-79), além de haver decidido a favor de Guarulhos e contra Caucaia do Alto, a fim de preservar os mananciais desta última área, também exigiu que a Rodovia dos Bandeirantes tivesse uma larguíssima ilha central para um dia permitir a construção de uma linha férrea para Viracopos. Há políticos de visão que acreditam em planejamento, que prevêem e provêem. Em vez disso, a ilhota está sendo diminuída para aumentar as pistas rodoviárias...

Seria igualmente um equívoco tornar comercial o Campo de Marte; não precisamos de mais um porta-aviões na cidade... Ao contrário, seu vasto espaço ocioso mereceria transformar-se no grande parque da zona norte, permitindo também a expansão dos pavilhões do Parque Anhembi. Esta discussão não é nova: travo-a desde a década de... 70.

Os jatinhos privados deverão ser abolidos, em Marte e em Congonhas, pois podem ser deslocados para Guarulhos. A este respeito convém lembrar que sua terceira pista se tornou necessária porque as duas existentes são por demais próximas, impedindo seu uso simultâneo (falta de previsão?). Especialistas poderão comentar se o risco desta proximidade persiste no caso de uma das pistas ser empregada apenas por aviões pequenos.

Finalmente, deve haver melhorias no acesso e na segurança de Congonhas. Como toda estação de embarque, Congonhas deve ser alcançada por uma linha de metrô, a ser usada por passageiros, mas também pelos milhares de funcionários que lá trabalham. Esta sugestão consta do Plano Diretor e foi discutida, embora sem conclusão, pela Sempla com a Secretaria de Transporte Metropolitano em 2002. Embora a pista seja considerada suficiente para os atuais aviões, seria ótimo se, além do previsto grooving, fosse possível construir nas cabeceiras áreas de escape do tipo implantado em Nova York. Porém, se do lado da Avenida Rubem Berta ainda é possível cogitar de novo aterro, no Jabaquara esta plataforma triangular de escape deverá provavelmente ser edificada sobre pilares, devendo-se desapropriar áreas.

Estas decisões, embora tecnicamente fundamentadas, são antes político-administrativas. Cabe aos três níveis governamentais planejar e decidir, com urgência e em conjunto, para que cada um assuma suas tarefas: ao Município, legislar o uso do solo; ao Estado, implantar o trem e rever as linhas de metrô; ao governo federal, dar à Anac real poder e autonomia, com relação ao governo e às empresas, a fim dela estabelecer nova distribuição dos vôos; e à Infraero, acelerar as obras mencionadas nos três aeroportos.