Título: Falta de investimentos mata
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/07/2007, Espaço Aberto, p. A2

Ao explicar o fraco crescimento econômico brasileiro desde a década de 1980, os economistas sempre enfatizam o papel da baixa proporção do PIB destinada aos investimentos em capital fixo, como em novas fábricas, estradas e escolas. Eles ampliam a capacidade produtiva, geram rendimentos para trabalhadores, fornecedores e investidores e fazem crescer a economia.

Números que o IBGE divulgou este ano mostram o Brasil investindo apenas perto de 17% do seu PIB. Os países que crescem muito mais ostentam taxas bem maiores. Por exemplo, a Índia, perto de 30% e a China, cerca de 40% dos seus PIBs. Numa avaliação mais geral, um estudo recente, de José Roberto Afonso e Geraldo Biasoto Jr., incluído na Revista do BNDES de junho, revelou que em 2004, no campeonato mundial de taxas de investimento, o Brasil tinha a 130ª (!) posição entre 150 países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Nos investimentos, são particularmente importantes os do setor público, de prédios escolares a estradas, portos e aeroportos. Contudo, apesar de sua enorme e crescente carga tributária, o setor público brasileiro investe muito pouco. Mediante comparações internacionais, o mesmo estudo mostrou que o gasto público brasileiro é 'demasiado reduzido com investimentos, elevado com transferências e subsídios e, sobretudo, excessivamente alto com os juros da dívida'. Acrescento: como pouquíssimo da dívida pode ser atribuído a investimentos - o que retira dela o caráter de saudável, pois eles geram retornos -, temos um caso típico de má gestão econômica: muita gastança e endividamento, pouca poupança e pouco investimento. Nenhuma pessoa, família, empresa ou país prospera nessas condições.

O mesmo estudo mostrou que os escassos investimentos da administração pública (excluídas empresas estatais, cujos dados sofreram o impacto das privatizações) caíram de um valor médio de 2,1% do PIB, nos anos 1995-1999, para 1,8%, no período 2000-2003. Esse estudo foi realizado com base nas Contas Nacionais e, lamentavelmente, o IBGE ainda não produziu dados mais atualizados quanto à decomposição institucional dos investimentos (privados, públicos e, dentro destes, separando as empresas estatais). Com base em outros dados, mais recentes, Afonso e Biasoto Jr. encontraram ligeira melhoria, mas nada que mostrasse um retorno aos maiores valores registrados no passado, e tudo sempre muito longe do necessário.

Estudos como esse sustentam as pregações dos economistas quanto à necessidade de ampliar investimentos em geral, em particular os públicos. Mas tudo indica que essa pregação cai em ouvidos surdos, mesmo acenando com uma economia mais forte, que significaria maior bem-estar para a população. É como se a afirmação de que toda unanimidade é burra, de Nelson Rodrigues, também se aplicasse à racionalidade, tamanho o desprezo a argumentos nessa linha.

Sem desistir da pregação, apelarei a outro argumento, o que explica o lado fúnebre do título deste artigo. Mas não ao recente acidente aéreo e seus muitos mortos. A falta de investimentos, bem como as distorções dos realizados por essa aberração que é a Infraero, tem grande responsabilidade pelo caos do setor, mas tudo indica que o acidente teve causas que vão além de uma pista molhada e sem drenagem adequada. Assim, utilizarei outro exemplo, o das rodovias, e poderia também estender o argumento a hospitais e saneamento básico, entre outros investimentos públicos.

Nas rodovias, os mortos e feridos se contam aos milhares por ano, ainda que sem despertar a mesma comoção nacional de um desastre aéreo como o da semana passada. Melhores estradas, asseguradas por mais investimentos, poderiam reduzir esses números. Ainda que para ressaltar o óbvio - o que é necessário, em face do desprezo à racionalidade -, os economistas e outros pesquisadores, no seu evangelho por mais investimentos públicos, deveriam recorrer também às estatísticas dos acidentes rodoviários para mostrar sua grande dimensão e associá-la às más condições das estradas.

Será constatado que para o mesmo volume de tráfego as rodovias com duas pistas e duas faixas de rodagem de cada lado, separadas por um canteiro e/ou por muretas de concreto, mostram menos acidentes que outras de uma única pista e uma faixa em cada sentido. E que as concessões de serviços, passando os investimentos em recuperação e manutenção para concessionários privados, reduziram acidentes em estradas como a Dutra.

Essas concessões são particularmente importantes, pois não vejo o governo federal empenhado em ampliar substancialmente a proporção de investimentos nos seus gastos. Seu PAC é ínfimo diante das necessidades e da propensão governamental à gastança consumista. Quem sabe, entretanto, esse governo acordasse para a imperiosa necessidade de realizar mais concessões, bem além daquelas de que há muito tempo cogita, mas não faz.

Nessa linha, outro estudo, de junho, de Carlos Aires Campos Neto e de Ricardo Pereira Soares, do Ipea, mostrou que desde 1995, quando iniciou seu programa de concessões, o governo federal colocou sob essa forma apenas 856,4 km de suas rodovias. Nos programas estaduais, dados de 2004 mostraram um número muitíssimo maior, de 9.644 km (!), com destaque para o Estado de São Paulo, com 3.897 km, onde estão as melhores estradas do País. Isso, por essa e por outra razão, preponderante, os grandes investimentos que realizou no setor.

O lema-síntese das caras campanhas publicitárias do governo federal é 'Brasil: um país de todos'. Deveria acrescentar, entre outras qualificações: exceto os que se foram porque investimos pouco, e porque não deixamos que outros substituíssem o governo nesse papel.