Título: De olho na questão agrícola, China dá apoio ao Brasil
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/07/2007, Economia, p. B11

Grupo de emergentes impede que propostas da OMC para o setor industrial sirvam de base para negociações

A China dá sinais de que está disposta a fazer uma barganha estratégica com o Brasil: não pressionará por uma liberalização dos mercados para seus produtos industrializados e, em troca, espera não ser pressionada a abrir seu mercado para as exportações agrícolas.

Ontem, durante a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pequim saiu do seu tradicional silêncio para apoiar as reivindicações dos países emergentes como Brasil, Argentina e África do Sul, que deixaram clara a não-aceitação de cortes de 60% nas tarifas de importação de bens industriais, como pede a OMC.

O diretor da OMC, Pascal Lamy, concluiu as reuniões com a promessa apenas de que o processo seria retomado em setembro, quando novas propostas de acordo devem ser apresentadas. A OMC não conseguiu aprovar as propostas apresentadas na semana passada como base das negociações, para frustração dos países ricos.

Na agricultura, a OMC sugeriu cortes de subsídios nos Estados Unidos e de tarifas de importação na Europa, pontos aceitos pelos emergentes. Mas no setor industrial a proposta rachou os países em desenvolvimento e provocou uma nuvem de incerteza sobre a capacidade da OMC de concluir a Rodada. México, Costa Rica, Chile e outras economias defenderam a adoção da proposta como base do debate. Mas Brasil, Argentina, Índia e África do Sul costuraram uma aliança para impedir que isso ocorresse. Para esses países, o corte máximo aceito será de 50%.

Mas a grande surpresa veio da China, que saiu ontem em defesa da posição do Brasil. Muitos em Genebra acreditam que Pequim será a grande beneficiado com o acordo na OMC. O país já é o segundo maior exportador do mundo, superando os americanos, e está baseando suas vendas no setor industrial. Teoricamente, portanto, seriam os primeiros a defender uma liberalização do setor para ganhar novos acessos.

Pequim se limitou a pedir cortes mais profundos dos países ricos. Para negociadores, a posição da China de aceitar que países emergentes não abram seus mercados de forma tão drástica seria um sinal de que querem recompensas. Uma delas seria no setor agrícola.

Os chineses temem que uma abertura de seu mercado acabe afetando a produção no campo, onde vivem 900 milhões de pessoas. A preocupação é de que um eventual êxodo rural causado pela inabilidade de enfrentar a concorrência externa acabe desestabilizando politicamente a China.

A outra recompensa seria a autorização para que sejam isentos de uma nova abertura de seus mercados para bens industriais por mais dez anos. A OMC quer limitar esse prazo em dois anos. 'Brasil e China têm muito a cooperar', afirmou o embaixador da China na OMC, Sun Zhenyu.

Com apoio da China, o argumento do Brasil e de parte dos emergentes ganhou força contra a abertura de mercados para bens industriais. O Itamaraty insiste que a agricultura seja o centro das negociações e não os produtos industriais. Os países emergentes optaram por apoiar as propostas agrícolas, mas pedem revisão na oferta industrial, o que deve ocorrer até outubro.

A liberalização no setor industrial foi considerada tão negativa que, pela primeira vez, 88 países em desenvolvimento se uniram para atacar algo feito pela OMC. Coube ao Brasil falar em nome do grupo. Na prática, o País vetou a idéia de manter a proposta como base das negociações. Mas governos menos simpáticos ao Brasil não pouparam críticas ao País por ter orquestrado a operação. Isso porque Brasília usou o apoio de países que sequer serão obrigados a abrir seus mercados como resultado da Rodada Doha. Diante da pressão, Lamy minimizou a importância das ofertas e alertou que eram apenas um 'passo' nas negociações.