Título: Fila não dá segurança
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/07/2007, Economia, p. B2

De onde o ministro Nelson Jobim tirou que filas são o preço da segurança?

Filas indicam que a demanda supera a oferta. Em um mercado livre, isso se resolve. Se há 15 pessoas querendo comprar dez carros, o carro fica mais caro para quem quiser estar entre os dez primeiros. E isso será um estímulo para que os produtores atuais aumentem a oferta ou novos produtores entrem no negócio.

Se o mercado de aviação fosse livre, o mecanismo de preços teria funcionado de outra maneira. Por exemplo, a passagem São Paulo-Rio de Janeiro seria mais cara partindo de Congonhas do que de Guarulhos. Quanto mais pessoas optassem por Congonhas, mais lotado o aeroporto ficaria, com filas maiores, o que significariam oportunidades para as companhias aéreas: aumentar ainda mais o preço pelo embarque em Congonhas e/ou reduzir o de Guarulhos, o que equilibraria oferta e demanda e deixaria as filas em tamanho normal. Ao passageiro-consumidor ficaria a opção entre o mais perto e mais caro ou mais longe e barato.

Naturalmente, as companhias teriam estratégias diferentes. As novas, querendo entrar no mercado, ofereceriam vantagens para quem embarcasse em Guarulhos, já que não teriam espaço em Congonhas, onde os custos operacionais seriam maiores.

E, se o mercado fosse livre mesmo, uma construtora poderia concluir que havia falta de oferta em São Paulo, de modo que era boa a oportunidade para construir um novo aeroporto. Faria isso e ofereceria condições melhores para que companhias e passageiros optassem pelo novo terminal.

Mas o mercado não é livre. É inteiramente controlado pelo governo, via Aeronáutica, Infraero e Anac. É o governo que constrói e opera os aeroportos, determinando localizações, tamanhos e tipos de pista. É o governo que determina quantos pousos e decolagens cabem em cada aeroporto. É o governo que atribui a cada companhia a quantidade de vôos que poderá operar a partir de cada aeroporto. É o governo que regula os horários.

Se há aeroportos lotados e operando acima da capacidade, enquanto há outros com enorme ociosidade, a culpa é inteiramente do governo. Se há filas em Congonhas e faltam vôos no Santos-Dumont, a culpa é do regulador. Se, em Guarulhos, faltam pontos de check-in para todas as companhias e sobram para a Varig, diminuída, de novo a responsabilidade é da autoridade concedente e reguladora. E, se as agências reguladoras acabaram se curvando aos interesses das companhias aéreas, a culpa de novo é do governo, que organizou mal e nomeou as pessoas erradas.

Repetindo o que se escreveu aqui quando a crise começou. Vamos chamar a coisa pelo que é: está ocorrendo um apagão aéreo no Brasil e a culpa é inteiramente do governo.

E quem disse que, com menos vôos, Congonhas é mais seguro? Se a pista é perigosa, é perigosa para dez pousos ou para um único.

Mas, argumenta-se, ela é mais ou menos perigosa conforme o avião seja mais ou menos pesado. Além disso, muitos vôos estressam os controladores de tráfego e os pilotos, situação que pode levar a erros.

Solução para isso: reduzir a capacidade dos aviões e o número de vôos. Isso significa reduzir a oferta, mas não resulta daí que haverá filas enormes. Estas só aparecerão se as companhias venderem mais passagens do que a oferta disponível. O regulador, o governo, tem como calibrar ou negociando com as companhias ou impondo regras, como fez recentemente.

Tudo considerado, é bem capaz que existam mesmo as filas, mas não por causa da necessidade de segurança, e sim pela incapacidade dos órgãos subordinados ao ministro Nelson Jobim. Vai ver ele já está se prevenindo.

Afinal, foram esses órgãos que, primeiro, criaram o caos e a crônica desorganização do setor. E, depois, na tentativa de administração das crises, conseguiram criar situações como a da semana passada, em que aviões partiam de Congonhas com mais da metade dos lugares vazios, estando as companhias proibidas de vender passagens.

Foram também esses órgãos que permitiram o uso de uma pista ainda não concluída, e, depois, na última sexta-feira, se meteram numa confusão burocrática e não conseguiam liberar a pista principal de Congonhas depois de concluídos os reparos.

Em resumo, a infra-estrutura aeroportuária, inteira responsabilidade do governo, não está pronta para atender à demanda crescente. Enquanto não se resolver isso, a demanda estará reprimida. E estará reprimida pelas filas nos aeroportos ou por uma administração da oferta. É óbvio que o consumidor prefere esta última solução.

Feito isso, o governo poderá então exigir melhor atendimento das companhias aéreas. Mas não com as últimas atuações dos Procons e dos órgãos vinculados ao Ministério da Defesa, supostamente em defesa do consumidor. O governo proíbe as companhias de venderem passagens - o que significa vetar o direito do consumidor de comprar a passagem - e depois manda os fiscais ao aeroporto verificar se o direito do consumidor está sendo respeitado.

Deu nisso: no aeroporto de Brasília, os fiscais de Lula multaram a lanchonete porque não tinha exposto o preço da coxinha. Foi o melhor crime que encontraram lá.

Uma última palavra sobre a construção da infra-estrutura. Arranjaram mais R$ 2 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o ministro Jobim gastar em aeroportos, em três anos e meio. Não dá nem para começar. Os três principais aeroportos de São Paulo precisam de algo como R$ 7 bilhões para ampliações de verdade.

Logo, só haverá recursos se entrarem os capitais privados. O ministro fará bom serviço se conseguir convencer Lula a aceitar esse tipo de privatização.