Título: Ato lembra vítimas da TAM e cobra 'respeito'
Autor: Paiva, Fred Melo
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/07/2007, Metrópole, p. C10

Manifestantes criticam autoridades e rezam na frente da TAM Express

Revolta era tanta que multidão vaiava até avião no céu

A classe média vestiu seus tênis de corrida e saiu em passeata, ontem, para homenagear as vítimas do vôo 3054 da TAM e protestar contra as autoridades responsáveis pelo tráfego aéreo. Sob temperatura de 9 graus, 3 mil pessoas (segundo a Guarda Civil Metropolitana; 6 mil para os organizadores) caminharam do Parque do Ibirapuera até o prédio da TAM Express, onde o avião se chocou. Foram cinco emocionantes quilômetros, em que palavras de ordem se misturaram à leitura de cartas de familiares dos mortos. No lugar de bandeiras do PSTU e bonés do MST, dois tipos de arroz-de-festa presentes em qualquer protesto, as faixas faziam menção ao descaso do governo: ¿Basta de passividade! É hora de agir!¿

No trajeto, jovens e senhores compartilhavam narizes de palhaço. Às 9 horas, na concentração que se formou em frente ao Monumento às Bandeiras, o Deixa-que-eu-empurro, cinco sacos contendo centenas de narizes esperavam pela chegada dos manifestantes. Um caminhão de som estava ornamentado com as Bandeiras do Brasil e de São Paulo, além de uma grande faixa preta onde se podia ler ¿Respeito¿. Era essa a palavra de ordem. Qualquer um que dispusesse do microfone, por poucos segundos que fosse, tinha a mesma receita para espantar o frio: ¿Atenção, pessoal, a gente exige o quê???¿. O pessoal: ¿RESPEITO¿.

Bombeiros, gente do IML, representantes da Defesa Civil, policiais militares, todo o mundo estava representado na passeata de ontem. Os bombeiros, ao serem homenageados, foram tratados aos gritos de ¿Herói! Herói!¿. No afã de condecorar os que realmente merecem, pediu-se inclusive ¿uma salva de palmas para Jesus¿, prontamente atendida. Familiares das vítimas também estavam entre os caminhantes. Usavam crachás com a identificação ¿Vôo JJ 3054/Familiar¿. Todos usavam roupas pretas.

O carro de som embalava a manifestação com uma música que a princípio misturava alhos com bugalhos: ¿Se admito ter dois amores, é uma questão de valores¿, dizia a letra, bastante melhor, acredite, que a própria música. Mas esse desarranjo não durou muito, porque ali estava o Seu Jorge, cantor, compositor, ex-menino de rua, além de Zé Galinha. Seu Jorge aproveitou para estender seus sentimentos a todos os desgraçados do Brasil, incluindo as vítimas da ¿violência rural, os baleados urbanos, o pessoal que espera no trânsito e até na fila do bancos¿. Foi mais feliz quando falou do mensalão e da dança da pizza. ¿Que não seja apenas mais um basta¿, disse. ¿Mas um vamos!¿.

No início da caminhada, que partiu do Ibirapuera às 9h40, fez-se um minuto de silêncio e o Hino Nacional foi executado. Uma mulher-placa carregava no peito as seguintes frases: ¿Parem o País que eu quero descer. Nós, o povo, é que tememos estar a bordo deste país com esta tripulação¿. Ao lado dela, Joaquina, uma cadela de São Bernardo, levava também o seu protesto no pescoço: ¿Quem tem boca vaia o Lula¿. Joaquina era conduzida na coleira por Marcos Arantes, de 55 anos, morador da Vila Madalena. Os dois estavam ali porque o Marcos é classe média e ¿a classe média é a mais escorchada que tem, não ganha R$ 60 de bolsa-esmola e nem está nadando em dinheiro como os ricos¿.

Em cima do caminhão, Seu Jorge tratou de avisar que ¿esse é um movimento apartidário graças a Deus¿. Estava inspiradíssimo. Tanto que cantou um Geraldo Vandré, não sem antes modificar a letra da música de forma a torná-la mais atual: ¿Esse avião nos ensina uma antiga lição, viver pela Pátria e morrer sem razão...¿. Depois de caminhar e cantar, Seu Jorge lembrou da ministra do Turismo Marta Suplicy (¿relaxa e goza¿) e do assessor da Presidência Marco Aurélio Garcia (¿top-top-top¿). ¿Vagabundo! Vagabundo!¿, homenageou o público, que a essa altura já estava vaiando até avião passando no céu. ¿Nós temos que sumir com essa gente! Fazer gesto obsceno na televisão para os nossos filhos verem?... Qualé, rapá? Depois o favelado é que não tem educação...¿

Quando o Seu Jorge dava um tempo no microfone, a leitura de cartas dos parentes das vítimas emocionava o público presente na caminhada. Um irmão do passageiro Mário Gomes, morto no desastre, cobrou a presença de integrantes do governo. ¿Cadê o Jobim, que vestiu capacete de bombeiro mas não foi ao nosso hotel? Cadê o Lula? Ainda está tratando o seu terçol? Meu irmão não era um assento, não era um número de check-in.¿ O povo lá embaixo: ¿RESPEITO¿. O pai de Mariana Simonetti Pereira, outra das 199 vítimas, acusou o presidente Lula de ser ¿tíbio e vacilante¿. Sua filha havia voado para Porto Alegre para uma entrevista de emprego. Voltava para casa quando aconteceu o acidente. ¿Ela foi condenada e executada, porque o avião estava com defeito e já se sabia disso.¿

Na Avenida Ruben Berta, um mendigo assistia a passeata de seu próprio sofá, instalado em uma via lateral. ¿Eu já fui menino de rua', exaltou-se o Seu Jorge. ¿Eu quero ver alguém relaxar ali naquele sofá... Quero ver alguém gozar ali naquele sofá... Imagina a cena...¿ Mais adiante, o caminhão de som informa que uma caminhonete Dodge Dakota, estacionada a menos de 300 metros do que restou do prédio da TAM Express, estava cheia de flores na caçamba. Quem quisesse podia pegar.

O aposentado Alcides Gomes, de 69 anos, não pegou nenhuma flor. Em compensação, estava elegantemente trajado com uma jaqueta xadrez e um nariz de palhaço. Liberados pela Polícia Militar, seu Alcides e os outros manifestantes avançaram pela Avenida Washington Luís. Diante do prédio da TAM, a emoção e a seriedade das pessoas presentes não cabiam naqueles narizes. Mas o pessoal assim permaneceu, incluindo o seu Alcides. ¿Eu nunca tinha vestido esse nariz. Mas agora eu estou usando porque gosto das coisas certas.¿

Embora tímidos, os gritos de ¿Fora Lula¿ foram ouvidos durante todo o percurso - acompanhados, obviamente, de um ¿Fora Marta¿, a única a rivalizar no quesito pedido de saída. A implicância, porém, não se restringiu ao PT. Seis militantes da Juventude do PSDB, cada um portando dezenas de bandeiras, acabaram expulsos depois de um princípio de tumulto. Em frente ao prédio da TAM Express, milhares de flores foram atiradas na calçada. No último ato da manifestação, Seu Jorge chamou um pai-nosso, seguido do Hino Nacional. As pessoas se emocionaram. O edifício, embora lacrado pela Defesa Civil, já se encontra pichado: ¿Vai tudo na paz¿ e ¿O Brasil é isso¿.