Título: Lula vê prestígio em risco e some
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/07/2007, Nacional, p. A6

Para professor de ética, apego do presidente à imagem pessoal ajuda a entender o temor pela impopularidade.

Hoje, o encerramento dos Jogos Pan-Americanos não deve contar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vaiado por seis vezes na abertura do evento, dia 13, o presidente, que andou recebendo apupos também no Nordeste nos últimos dias, deve permanecer em Brasília durante o fim de semana, de acordo com sua assessoria.

Na opinião do cientista político Leonardo Barreto, professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), as vaias no Pan e o acidente com o Airbus da TAM no Aeroporto de Congonhas, no dia 17, contribuíram para que Lula ficasse recolhido ou participasse somente de eventos em que a possibilidade de protestos fosse a menor possível, em estratégia montada por seus assessores.

¿Até por conta da sua origem e do seu discurso, o presidente tem uma ligação popular muito forte e, com certeza, sentiu muito as vaias¿, analisou Barreto. Para o professor, Lula interpretou o episódio como uma demonstração de fragilidade. A oposição, por sua vez, percebeu que o presidente abriu um flanco para críticas.

¿As vaias podem ser comparadas ao debate do segundo turno das eleições, em que o adversário, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), demonstrou muita agressividade, assustando o presidente¿, afirmou o cientista político. Para Barreto, ao sair de cena na semana seguinte aos apupos do Maracanã, Lula demonstrou ter acusado o golpe, o que trouxe alento à oposição, acuada pelos seus altos índices de popularidade.

O professor atribuiu à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao seu colega da Comunicação, Franklin Martins, a montagem de uma estratégia para blindar o presidente, protegendo-o de vaias. Depois do episódio na abertura do Pan e do acidente com o Airbus, o presidente só participou de eventos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em capitais nordestinas nas quais mantém altos os níveis de aprovação. Mesmo assim, foi vaiado em Aracaju e Natal.

CULTO

O professor de ética da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano tem um raciocínio que ajuda a entender esse movimento: os políticos são todos ciosos de sua imagem e fogem de cenas de impopularidade explícita; mas o presidente Lula é ainda mais sensível, por cultuar especialmente a própria imagem.

¿Ele se torna muito mais suscetível a manifestações públicas, como vaias, ou a críticas, que vai considerar sempre infundadas. O governo autocrático precisa manter-se no Olimpo, como se o governante fosse um deus e não pudesse ser contestado jamais¿, explicou.

No caso da abertura dos Jogos Pan-Americanos, o professor de ética ressalta o teor do comentário feito pelo presidente Lula no programa Café com o Presidente, na segunda-feira, dia 16. Romano vê sinais de que o mandatário brasileiro, envaidecido pelos altos índices de popularidade, desenvolveu uma personalidade baseada na egolatria. O intelectual anotou nada menos que sete vezes o pronome ¿eu¿ no comentário.

Na opinião de Romano, isso é mais do que querer se passar por ¿homem comum¿ e Lula se comportou como se fossem dele os quase R$ 2 bilhões destinados ao Rio para a realização do evento. ¿O dinheiro, obviamente, não é dele porque no regime republicano os recursos do presidente e do povo, na forma de impostos, não se confundem.¿

Nesse quadro, a tragédia com o Airbus da TAM trouxe uma agravante, na sua avaliação,: mexeu com um público que, acreditam os analistas de opinião pública, tem um perfil semelhante ao que estava no Maracanã e desembolsou até R$ 250 pelo ingresso para assistir à abertura do Pan.

O professor faz questão de lembrar episódios do período do ditador Josef Stalin à frente da extinta União Soviética para comparar com o que chama de hábito de bajulação de poderosos - que tem se tornado comum no Brasil, na sua visão.

¿Na antiga URSS, em cerimônias oficiais, funcionários do partido ficavam ao lado do público com baldes de água, para que as pessoas refrescassem as mãos depois de aplaudir¿, contou. ¿Assim, podiam aplaudir mais. É isso que se chama culto à personalidade.¿

FRASES

Roberto Romano Professor de ética da Unicamp

¿O governo autocrático precisa manter-se no Olimpo, como se o governante fosse um deus e não pudesse ser contestado¿

Leonardo Barreto Professor de ciência política da UnB

¿As vaias podem ser comparadas ao debate no segundo turno, quando o adversário, Alckmin, demonstrou muita agressividade, assustando o presidente¿